AGUADA

aconteceu-me de querer pintar o céu

num dia de chuva,

sem capa nem luva

e um origami de jornal como chapéu.

e pintei logo após o almoço,

na escada mais alta,

aventura incauta:

poderia quebrar o pescoço!

gastei todas as tintas,

mas a chuva não se fez de rogada,

levou tudo, tudo, numa só lavada:

cores extintas

aconteceu-me de querer pintar de novo

depois da chuva

em pleno vôo das saúvas

aquele céu branco como casca de ovo

e pintei, à tardezinha,

mas o sol não estava ao meu lado;

escondeu-se ligeiro atrás do sobrado

entregando-me à noite mesquinha