Inóspito

Já houve poesia.

Agora resta a sequidão dos lábios

e palavras mortas que me saem da boca,

rouca,

entoca no silêncio o som

e os meses que jamais passaram.

Procuro como achar o amor,

espreito, estreito,

estreita a fresta da porta,

onde hoje me jaz essa lembrança morta

dos seus peitos,

do sentimento ileso que me guardava o leito,

dessa estrada que nunca foi nossa.

Apenas eu consigo caminhar sozinho,

chutando a poeira

e os pedaços de lama que secam ao sol.

Minhas mãos já se cansaram

desses dias infinitos,

enclausurados,

entupidos como o trem lotado

onde as pessoas dormem com seus olhos bem abertos

e um gemido que ecoa pelas plataformas.

Agonizante tarde de segunda.

Pela segunda vez eu te encontrei, amor,

mas tu não sabias, tu apenas remetia os olhos para o céu nublado

esse céu calado, como a tua boca,

e a minha boca não tocou na tua.

Como eu poderia alcançar você?

Com meu pensamento,

que refrata o concreto seco em Duque de Caxias?

Não, era apenas um breve momento,

tão breve como a tua juventude.

Mas é tão bonita, tão sensível,

não entendo como o asfalto quente e as pessoas mortas não te engoliram,)

não tiraram esse sorriso espontâneo do teu rosto.

A postos, os guardas da grande cidade me jogaram fora,

Embora fosse poeta,

Embora fosse tão perto,

Embora fosse amor,

ou talvez dor sentida,

mas que dor bonita me carrega o peito!

Emputecido,

Choro,

Oro,

Imploro,

me ponho em correntes amarrado ao teus pés macios,

mas marcham vazios a zunir trombeta

Apenas vadio

o teu pensamento vaga,

apaga a lampada acesa,

mas tu me procuras

debaixo da escuridão.

Não te encontro

e a confusão da minha cabeça é derramada,

em letras,

em teclas,

nesse poema nu,

sem rimas,

sem paixão,

e, fatidicamente, sem você.

Ivan Schneider
Enviado por Ivan Schneider em 07/09/2015
Reeditado em 12/09/2015
Código do texto: T5374113
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