Poemas do Beco ( VI ) Neruda no Beco

Eram duas as professoras:

Terezinha e a Do Horto.

Nas quartas-feiras, à noite,

tínhamos aulas de literatura

na sede do Papel Crepom.

Lembro de certas noites de inverno

quando o vento uivava para a lua

golpeando o teto de zinco,

a tribo reunia-se em volta do fogão a lenha,

todos sentados sobre pelegos

pois não dispúnhamos de cadeiras.

As professoras faziam leituras

e sempre que surgiam dúvidas,

alguém interrompia com perguntas.

Assim, de livro em livro,

nunca faltou pipoca com chimarrão.

Numa noite chuvosa

começamos um novo trabalho:

“Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada”

Foram os poemas mais lindos que eu já lera,

os versos mais ternos e apaixonados

de que eu ouvira falar.

Era a poesia sublime e ardorosa

do chileno Pablo Neruda.

Terezinha teceu comentários sobre o autor

e a Do Horto declamou

poema por poema.

Eu os copiei a lápis

e, durante muito tempo,

li aqueles versos todas as noites.

Eu nunca havia lido nada igual,

nada que - para os meus doze anos-

falasse de amor

como Neruda fizera.

Nem o Pequeno Príncipe

Os Três Mosqueteiros

Pinóquio,

nada me fascinara tanto.

Era esplendor demais

para a minha infância.

Creio que aquele encontro com Neruda

mudou-me a vida para sempre.

Eu não queria mais

ser piloto

astronauta

médico

professor.

Eu queria ser poeta.

Naquela noite,

na sede do Papel Crepom,

a poesia encontrou em mim

outro caminho.