MADRUGADA / Homenagem a Kathleen Lessa

Madrugada

Caminhávamos como donos da rua,

áquela hora tão cedo.

Os carros, os táxis que passavam,

todos chegavam num repente,

ganhando maiores dimensões

em espalhafatosas surpresas

de luz e de ruído.

Duravam apenas o tempo

de focar os olhos,

depois, sumiam no fim das ruas,

entre fumaça e salpicos

das poças de água.

A noite continuava ainda,

fria e escura,

tardando a acordar.

Quem subia nos ônibus e bondes,

pegava bilhete-operário, mais barato,

pensado para os que começavam cedo,

em fábricas e padarias,

como sangue invisível da cidade.

Nessas horas de então,

o frio era mais frio,

e a chuva parecia que molhava mais,

caindo sem parar, na frente dos faróis.

Mas não havia solidão,

e, por algum motivo já longínquo,

falava-se baixo e pouco,

talvez para não acordar ninguém.

A cidade passava, conhecida,

pelas laterais do ônibus,

iluminada por um momento, fugaz.

E nas saídas dos prédios,

os casais que se beijavam em despedida,

separando-se, teciam a regra da madrugada,

que não conhece casais, nem grupos

- apenas indivíduos, num esquema maior,

que lhes dá sentido e razão de ser,

mas que os mói, exaure e devora.

A cidade passava, conhecida,

pelas janelas brilhantes,

em todos os seus detalhes,

como se nos saudasse a cada dia,

em alegrias de chegada.

E nós passávamos por ela,

em paixões de primeira vez.

21/6/2007