Não amo por que não amo, não amo por que não sei

Não amo por que não amo,

não amo por que não sei

Da vida sei poucas coisas

sei muito menos do amor

(não entendo nada do amar)

AMAR!...

Ah! Se eu soubesse amar

Um saber inventado a cada beijo

Um saber amar segredos de inocência

Um saber dizer te amo

Um saber sentir que amo

Um saber que as noites virão

e perguntarão por alguém

Colocarão flores nas janelas

Na janela, flutuando, motivos para sorrir

Saudades para chorar as lágrimas salgadas do mar

Colocar a chuva no telhado

embalando o meu corpo a um corpo colado

Cantar a alegria dos sonhos que amadurecem nos lábios

Ver a gaivota arrastando a tarde e o suspiro dos barcos

Ver adormecer o horizonte ardendo indomável

no fogo intenso das águas dos rios, entornadas nas margens

Sentir deitar em meus braços o corpo lasso das madrugadas

Urdir o mundo e a vida no silêncio dos giros dos cata-ventos

Não entendo nada do amar

Tão sutil e trêmulo o (a)mar

que os meus olhos ao vê-lo

meu coração ao pressenti-lo

já começam a me afogar

Um dia o amor veio e me procurou

sacudindo a brisa

tirando a minha camisa

brincando com os meus medos

rindo alto

pegando na minha mão

dormindo comigo no chão

Chegou!!!

Um passo antes do verão

Um céu sem nuvens no final da primavera

Um sonho casto pronto para desabrochar

Ela era o amor que a vida me guardou? Quem dera

Talvez o amor que da vida eu guardei? Quem sabe?

Veio nua dos seus medos

Linda e singela

Quem era a moça debruçada na janela

que ainda não sabia que era a meiga namorada

do amor que se exilou em algum momento meu

encenando o papel de solidão

diante da flor que lhe servia de plateia?

A moça da janela era ela

Mesmo não sabendo o que era o amor

o que era amar

eu senti, na liberdade cativa da poesia, que a amava

Eu não sabia (eu não sei)

Eu não sabia (eu não sei) amar

Mas quando ela veio eu a amei

Ainda sangra o desalinho nos lençóis e na vida

nos sonhos

no mundo

nos amores

das janelas cheias de flores

o coração nu e insonte

trazendo no regaço dias inteiros de palavras inocentes

Ela veio

E eu a amei

quando as manhãs acordavam tímidas

tecendo flores com retalhos de solidão

Ah! Como eu a amei!!!

em meio aos anjos

em meio aos pomares de estrelas

amei-a com os olhos ardidos de medo

e os sonhos derramados molhando o mar

diluído em seus olhos

as velas dos barcos partindo

se desprendendo da bruma branca do porto

do deserto tombado e morto

amei-a com os gestos que eu não tinha

pus meu coração na janela

junto com as flores que teci com retalhos de solidão

ornadas de quatro ou cinco palavras inacabadas

tirei da porta a tramela

abrindo o dia em segredo

amei-a nos caminhos ressumados pela chuva

prementes de suspiros

enchendo as horas de demoras

Sem saber amar

estremeci

quando o vento passou

quebrando a sombra das palavras que lhe dizia

Sujei o amor com a poeira dos meus medos

onde nas noites mais escuras o sentimento

era um cansado sofrer sem rosto

por mais que eu me procurasse

eu não encontrava ninguém

Ainda assim fiz outros versos

Versos estremes...

era o que eu tinha para lhe dar

Aves vadiaram como rios

Mares abandonaram-se fatigados de emoção

Manhãs cantaram saudades

apaixonadamente

Pássaros fizeram ninhos no vento

Bosques colheram primaveras

Andorinhas voaram nas noites brancas de abril

Anjos andaram distraídos

seguindo a poeira em suspensão nas frinchas dos raios de sol

Beijos inventaram urgentes manhãs

Tudo palavras

Somente palavras

escritas nas águas inabitáveis

de um sentimento que não lhe tocava mais

Palavras...

que o tempo e repetição transformou em aflição

Agora eu sei

as palavras

mesmo que enternecidas

úmidas das verdades mais antigas

das novidades colhidas na seiva das flores alucinadas de amor

são pouca coisa

nada são

para um amor onde o verbo se ausentou

Eu não era o homem com o qual ela sonhava

com o qual ela dançava

para o qual ela entregava

o toque, o beijo, o corpo

todas as suas fantasias

o amor que partia

na estrada cada vez mais longe a cada dia

Sonhava com(o) quem dançava

Dançava com(o) quem sonhava

Eu só tinha a lhe dar a ausência da solidão das poesias

velando as noites dentro de mim

O verso perdeu o ardor

E quando chegou setembro

esquecemos as flores e as janelas

os espinhos na paisagem

eu já não era mais seu amor

Também há cansaço e estorvo

nas palavras sem memória da poesia

que faz-se enxame de abelhas

mordendo os lábios do dia

Também há cansaço na chuva que já não apetece

mesmo começando o verão em algum lugar

A poesia tremia embriagada

Sílabas e sílabas que só sabiam o nome dela

sozinhas nos dias imensos, alheios e distantes

Entre/mentes ela ronronava

como uma gata no cio

querendo bailar

o corpo exausto de desejo

do corpo de alguém

cativo de uma sensualidade e de uma luxúria

que não era eu

posto que, para ela, eu era ninguém

As palavras sem gestos

as palavras sozinhas não têm nada a dizer

As palavras, por si, não se guardam

Uma biblioteca inteira esquece-se

Nada mais é que o vazio quando o coração sai de casa

a flanar em busca do gesto e do ato

que as palavras não podem dar

não sabem ter

*"Queime depois de ler"!!!

*(Título do filme dirigido por

Ethan Coen e Joel Coen)