PELE QUENTE

Hoje caminho pelas sombras.

Como se enterrasse mais a cabeça entre os ombros,

e avançasse contra a ventania do fim da tarde,

sem querer perder o meu chapéu.

Aos poucos, a chuva ensopa-me a teimosia,

e gela-me o corpo.

Fujo para casa, como um animal qualquer,

buscando o conforto da toca...

As vozes que me chegam, soam em surdina,

como se as ouvisse ao longe,

repetindo antigos detalhes

de um outro dia qualquer.

E o meu corpo, age em gestos artificiais,

como se fosse eu, e não ele,

a marcar o ritmo dos meus passos leves.

As horas que, lentamente, me aconchegam,

são feitas das esperas maiores que as palavras.

São pausas no movimento do dia.

Algo que foi suspenso por um átimo,

aguardando o meu retorno à normalidade.

Mas o tempo vai passando, devagar,

e a vida, aos poucos, retoma as cores do frio.

Há um restinho de cerveja no copo, escura,

preconizando sabores acres.

Uma bola de Natal brilha na parede,

desatualizada, irreverente em seu fio felpudo.

Do outro lado dos vidros embaçados,

um bonde crepita sobre os fios,

e espalha faíscas de cores elétricas

pelas ruas da cidade.

Na madeira preta do balcão,

artefatos brilhantes

sorriem inquietos dourados,

como outrora.

Puxo um pouco mais o cobertor,

e lembro-me de como era, ficar assim...

Nós dois enrolados,

a lã vermelha picando nas costas nuas,

espuma de cerveja entre os teus seios,

a gripe demorando a passar...

20/6/07