Domingo

Domingo

Agosto amadurece

na brisa da madrugada amena

que respira solidão

Seis horas da manhã

Da sacada onde tropeço em versos

vejo a mulher que passa sozinha

caminha

passos apressados

arranhando a ainda madrugada

a manhã adormecida

compondo formosuras

e fragrantes silêncios transparentes

Aonde vai

sem que a luz a veja?

A cada passo faz o passado

faz o instante do fim da espera

O que busca na cidade ainda vazia e dormente?

O que deixou na cidade além dos gestos e dos passos

que somente as esquinas viram?

Busca o mar que se escondeu na memória da infância?

Deixou sonhos?

Deixou os olhos no céu

entre os astros que já descem para as águas azuis do mar

e se afogam de vida

para poder ressuscitar?

Busca os barcos ressoando nas areias?

Busca o beijo do dia e o seio das rosas?

Deixou alguma tristeza na melodia ritmada dos passos?

Deixou o tempo desfolhado adormecendo em seus braços?

Espera o sol tecer o pólen dos seus raios

e amadurecer favos de mel entre os seus dedos?

Talvez nada busque

Talvez nada deixe

Talvez nada espere

Anda sozinha a estas horas por que ama o sossego

das praças e jardins ainda molhados

por uma lua inacabada

Caminha pisando a solidão das folhas

que o vento antigo e insone derrubou

Quantas vezes?

Na quilha da madrugada,

anda absorta

do jeito que os rios profundos e ensimesmados andam

O silêncio transbordante das ruas é diferente

na madrugada que passa com a mulher

percute uma vária melodia dentro madrugada sem gente

O vento, se espremendo em cada esquina,

aos movimentos da mulher e aos seus sonhos de menina

acorda pássaros pressentidos,

bilrando nas árvores,

trinando entre os ramos adormecidos

nos derradeiros escuros amarrotados pela noite

Passa na rua uma mulher

na rua que vai passando

A mulher

que o tempo todo esperava

o tempo todo esperando

Anda apartada do mar

pela rua que vai passando

No tempo que esperava

o tempo todo esperando

as estrelas saírem das águas

por que não sabem nadar

e vão acabar se afogando

A mulher na rua passando

A madrugada vai desmanchando

A aurora se recriando

à luz dos passos

da mulher na rua passando

como quem dança ao caminhar

como quem dança flanando

esquecendo as horas no ar

fazendo-se a parceira do sonho

que na vida vai passando

e com ela põe-se a dançar