Assumo (ou não) o assanho

Rasga-me neste tempo mesmo, este tempo teu; mostre tua alegria de ter-me todo.

Não, não é carência: é desenvoltura – é ser escravo da tua cultura, por querer ser feliz e ama(n)do.

Pegue teu chicote; minhas nádegas esperam para queimar, pois o coração já queima.

Abra minhas asas que há tempos escondo, encolho e ficaram no encalho...

Faça-me voar só para ti – ao teu encalço – ao teu malho.

Assanho, assumo e ascendo e nada mais pode faz-me mal;

Assino embaixo para o assassino que me assente e encare a morte de frente.

Quero me ver envelhecer em frente a um grande e azul Mar de sal,

Não vou mais envenenar-me em frente ao grande e turvo Mar de gente.

Sim, sim é solidão – muito além do “solidinho” e até mesmo do sólido.

Há muito material aqui: fiz armadura, fiz escudo, fiz espada, fiz garfos e facas, pontes e estradas e ainda sobrou para um imaginável e cômodo futuro.

Sim, sim é amor; e até algo além mais, além-nuvem e céu, além eu e além-vida... É algo além-morte.

Interrupção para expor meu sonho da noite passada:

Algo estranhamente atípico: eu fazia parte de um grupo de amigos íntimos, pessoas que na vida “aqui fora” jamais vi. Éramos belos, mas mal arrumados, íamos descalços por ruas de pedras, estreitas, rindo alto e lendo manuscritos escritos com letras em diversas cores que decoravam as mãos. As outras pessoas que passavam em volta, olhavam, acenavam e riam com um olhar de “até logo”. Havia uma mulata, em particular, magra, com um lindo sorriso muito branco, traços simpáticos e andava sempre ao meu lado e de seios à mostra; aquilo era natural, não incomodava a ninguém. No sonho eu sempre prestava mais atenção nela e a distinguia das outras pessoas por ser minha amiga preferida, confidente e extremamente íntima.

De volta à realidade: penso agora nas palavras de alguns amigos: certa mutação – vamos mudar – devemos mudar! A meu ver tal alteração em determinada sociedade deve-se que principiar unicamente nos próprios umbigos; caso contrário é plantar limão e esperar laranja.

Rasga-me novamente, desta vez sem fim; enfim, a fim de querer-me sempre como estou e sou para o mundo: como capim que nasce em todos os cantos e se adapta ao terreno.

Largue teu chicote, não irá mais precisar dele.

Quero entregar-me por inteiro como metade fictícia, como cura da ferida e da tolice que é possível ser sozinho.

Não mais assanho, não assumo, tampouco ascendo; sou só eu mesmo que já estou satisfeito de chegar aonde cheguei!

Mas continuo com nada podendo faz-me mal.

André Anlub

(23/4/15)