O filho da puta e o senador

Sob o estigma de "supostos" desvios e falcatruas

Vossa Excelência se dirige ao palanque

A vida,

de repente,

malbaratada e enxovalhada novamente

Nas mãos a malícia de um discurso tantas vezes lido

torcido, distorcido, retorcido e repisado

Um jogo de gato e rato jogado todos os dias

Inicia sua defesa

A voz calma e pausada

Se culpa havia na entonação desaparecia

Desaparecia nas entranhas arcaicas

e na amnésia providencial da política

As rusgas e anomalias prosaicas da retórica pedem

a saliva afogada das palavras inescrutáveis

No gesto e no tom a admoestação e o protesto à vil perseguição

Negações

Evasivas

Fugas

Alienações

Juízo de valores

Valores sem juízo

Faz-se urgente tirar a pedra amarrada aos pés

quando o corpo já pressagia o fundo onde a lama o espera

Emparedado

busca nas coxias do teatro político

decadente e velhaco,

as personagens ressentidas

que darão vida e voz ao discurso

que os dentes tantas vezes mastigaram

como se mastiga o adversário

e entregaram à boca articulada do boneco do ventríloquo

Diz da sua vida ilibada

Da compatibilidade de renda e de bens

Da intriga sórdida e pusilânime

Do seu vigor intemente diante da injustiça

Da incandescência luminar da sua pessoa

Da vida que se pretende jogar ao chão à toa

Ficam subtendidos

a humilhação

o soco

o choque

a delação

As palavras pungentes borbotam

distraídas e insontes como o silêncio

que estimula a voracidade do rato

e impele sua coragem

em direção ao queijo na ratoeira

antes do baque surdo da ratoeira a lhe pegar

Palavras recortadas aqui e ali pela ira contida e dissimulada

que se encontra amordaçada em cada homem

Em seu ninho a serpente vocifera e chacoalha o guizo de anéis

De repente

a ira aferrolhada entre grades complacentes

deixa escapar entre dentes

numa outra voz mais humana, mais insondável

o murmúrio

o sussurro

dito para o vazio ali parado sobre o momento

diz, somente para os átomos do corpo,

de si para si,

mordazmente,

o que pensa do procurador que o acusa

"Filho da puta"

A frase, grito invertido,

perversa,

escorre, escapa e foge

assim como quem solta um punzinho

achando que ninguém vai ouvir

e o "punzinho" se rebela virando sonora proclamação

No Senado Federal,

"casa do povo"

onde o povo não se atreve a entrar

só olha de fora

cabeça baixa e calado

no máximo a petulância de resmungar, resmungar...

o axioma moral pende solenemente dos lábios

operísticos do preclaro senador

como um resmungo sonâmbulo

e deixa-se ficar no silêncio ilibado da sessão

Da verdade pouco ou nada resta

O rio seguirá seu curso e as margens o coagirão

seja ele um rio de planalto ou de planície

que seca na seca ou perene de aluvião

O procurador que procure na genealogia familiar

e perquira nas atividades laborativas de sua genitora

a confirmação ou não do aventado

ou se o impropério veio da danação

de um homem acossado e supostamente aviltado

em sua honra, em suas dúvidas em suas dívidas sociais

Com palavra pomos flores e perfumes na pocilga que é este país varonil

e em momentos de ira incontrolável ou conveniente

desembestamos a colocar putas e luzes vermelhas pelos lares do Brasil

Senhor Senador,

Por mais palavras que usemos

Por mais que os passos escamoteiem por onde fomos,

de onde viemos

A consciência nos diz com fragor aquilo que somos

A máscara rasgada e combalida ainda é máscara também

Senhor Senador.

Vossa Excelência foge do que ou de quem?

A natureza é concisa

mata e morre

quando deve matar ou morrer

e não se equivoca

onde deve por o ponto final.