ao meu pai
Meu pai
Guardava uma Torquês,
Um serrote, um Traçador
De muito uso,
Dos tempos em que fazia
Taboas das árvores nativas.
Emanava o cheiro do cigarro,
Um ranço rouco
Na saliva, mãos calejadas
De toda uma vida...
E deu-me de presente um violino!
PAI
Eu estava aqui enquanto partias,
Ainda estarei aqui quando fores.
Vi tua calma quando morrias, e
Vai-me morrendo pouco a pouco...
Um pouco a memória te desfaria
Como desfizeram de ti os ossos,
Mas estou aqui lembrando disso,
Provando a mim quanto não posso.
Mesmo que não me tenhas alento
Ainda te escuto quando me ligo
Às horas dormidas do pensamento:
Um tanto memorar cada momento,
A perguntar por mim se te olvido,
A fazer-me chorar quando te lembro
Um cara bom
Meu pai, sempre o cara bom.
Foi, mas não se deixou levar.
Um dia, inda cedo na sua vida,
Contraiu esta moléstia ferina,
Que o levou tempos depois...
A sua coragem em enfrentar
As desavenças da mala-sorte
Faria suspirar a última vez
Dizendo: tô gelado sim, filha,
Mas não tem importância.
Frente ao desespero da filha,
Que a morte é parte do viver,
A parte mais lógica, explicita
Talvez a mais merecida... Ou
Não, mas a parte mais certa.
Nas incertezas de caminhar
Ele dizia e provou que, enfim,
Chegada sua hora, a coragem
Do homem acima do medo
Do macho raçudo de antes...
Este foi o pai que convivi,
Sem abraços e beijos, mas
De um amor rude e sincero,
Nas viagens, nas roçadas,
Nos portões dos sítios, que
Faríamos juntos, eu criança
Ele adulto, paciente quando
Saí do exame para exército
Estava esperando para dizer:
Tudo bem? Como a saber,
Conformando revide muda,
Não precisava de palavras.
Este meu pai, me domou
Fez-me pai também, antes
Orientou-me filho a viver,
Que me respeitou pessoa
A conviver a extrema hora
Como iguais, de mesma fé
Este meu pai, um cara bom,
A erigir um lar de sua casa.
Dedico à memória do passamento
Do nosso pai Domingos, julho de 1967
Nostalgia
Meu pai nasceu em Anápolis.
Mas Anápolis não existe mais.
Meu avô veio de Itália,
Mas Itália está muito longe...
Por isso só vejo poeira
No que ficou para trás
E que o tempo encobriu
Com suas vidas recentes
Que vêm me abraçar.
Meu filho dirá de mim
O que digo de meu pai?
Sei não, meu filho é outro filho,
Não é o filho que fui
Como não lhe sou meu pai.
Anápolis desapareceu,
Do pai só tenho foto,
De mim só tenho eu.
Pais
Quando o conheci
Cuidava suas dores...
E eu menino querendo sabê-las quantas... Mancava os passos,
Não me fazia abraços
Aquietado ao canto alienava-se.
Quando se foi, conheci que plantara flores, Jabuticabeiras, hortas,
Galinhas, cachorros e... Meninos.
Sob o olhar desse pai, alheio
Às pequenas dúvidas filiais cresci...
E vejo-me cuidar minhas dores,
Meus livros, sonhadas hortas,
E os meninos,
Ainda estou aqui, pai,
Alienado nesse canto
Mancando o passo
Sem fazer abraços
No que perdi.