Lava jato

Diz a aclamada sabedoria popular que

em tempos de lava jato

como em tantos outros "escândalos"

quem paga o pato é o povo

Será?

Somos o pato e o povo

o povo amnésico

o pato apoplético

doente

demente

crente

que esquecemos o passado tão de repente

e o mesmo trambique de ontem hoje nos parece novo

Somos aquele povo que se diz tão esperto

que se tem trambicagem se não estivermos envolvidos,

pelo menos estamos por perto

o povo pato

o povo rato

o povo sem eira nem beira

servindo-se da xepa da feira

o povo avestruz

que engole a vida sem mastigar

que na hora do pega pra capar

procura o primeiro buraco para a cabeça enfiar

que pensa que sabe pensar

e, sejamos justos, chegamos até mesmo a pensar

porém sem nenhuma clareza

quando nos danamos a pensar é só tramóia e safadeza

que vantagem vamos tirar?

quem é que vamos enganar?

Somos o pato povo

deitado em berço esplêndido

rangendo os dentes

entre um talagaço e outro

num assomo de austera

e auto-decantada malandragem

rangendo os dentes

sem nunca morder quem nos submete

Não reclamamos nem protestamos em alto e bom som

provavelmente para não acordar a ira dos poderosos

só resmungamos

desembestamos a resmungar num solilóquio tacanho e vão

do "escândalo" do momento

do ladrão do momento

não atinamos com as seculares mazelas

fáusticas e arraigadas no caráter nacional

ou, melhor dizendo, na falta de caráter nacional

choramingamos pelos cantos

nas rodas de amigos

que só resmungam também

dizendo

amém

amém

amém

Somos uma gente opilada

tapada

tartamudeando inerte

o sempre mesmo ramerrão

sempre a mesma ladainha

que a vida seria boa

não fosse o político ladrão

não fosse a política mesquinha

não fosse Vossas Excrescências (Eleitas por nós, diga-se de passagem)

não fosse o papa a rainha

não fosse o outro gatuno

não fosse o outro o que é

tudo de ruim é o outro

numa auto-crítica chulé

esquizofrênica

que nos exila da bancarrota moral do país

cada um se acha o mais correto

o mais apto a meter o dedo na cara do descalabro

panteão da honestidade

baluarte da moralidade

gente tão ilibada assim por aqui nunca se viu

Vassalos, a maioria, da lei do menor esforço

da lei de Gerson

do jeitinho canalha a tão brasileiro

este jeitinho brejeiro que ri insanamente de tudo

este jeitinho que sepulta a vida com uma grande pá de cal e piadas

onde todo dia é dia 1º de abril

Acomodados

braços cruzados

esperando...

esperando sentados pra não cansar

esperando que um Cristo enxovalhado e morto

pela voz e a decisão de um povo que bem poderia ser como nós

que bate no peito e se diz temente

católico apostólico

fervoroso crente

de bíblia na mão

e o cramunhão na mente e no coração

e que hoje range os dentes

destilando fel

jogando merda ao vento

esperando que um Cristo

venha nos tirar deste profundo desalento

Somos um povo dissimulado e hipócrita

que passa pela vida sem atinar

por sublime, preguiçosa e crassa ignorância

ou por leviana conveniência

que a vida é um grande espelho

onde a imagem que nós vemos não é a do outro que nos fita

é a nossa própria imagem vista pelos nossos olhos

convenientemente esquizofrênicos

buscando elidir de nós o mesmo comportamento sacana

que no outro salta aos olhos

agora sãos e sem esquizofrenia

e para o qual faltam bocas para acusar

Somos um povo que vive de proclamar as vilezas do mundo

como quem não tem nada a ver com isto

Um povo que de tão desatento

ainda hoje entre Jesus e os ladrões

crucificam um tal de Cristo

e depois ficam esperando que um Jesus vilipendiado

pela (falta de) memória de um povo igual ao nosso do brasilsão varonil

"malandro", cambaio e servil

desça da cruz

e sub-repticiamente resolva nossos problemas

e ainda vá tirar satisfação com nossos detratores

Neste arruado de espertos

tão farto de salafrários

onde o que falta é otário

em cada esquina nos espera

algum conto do vigário

Somos um povinho que se proclama "esperto"!!!

que olha a vida com olhos gastos

e de soslaio

que diante dos "poderosos" abaixa a cabeça

e põe os olhos no chão

cegos e perplexos

enfiamos o rabo entre as pernas

submissos como o mais obediente dos cães

com uma enigmática ojeriza para pensar nossos problemas

sem atentar para os caminhos

luzindo de tão óbvios

Sem sequer cogitarmos a possibilidade

de acender a luz para sair da escuridão

Mancomunados com a apatia

e com uma cômoda inércia inata

que de sobrevida só perde para a barata

quedamo-nos moucos e calados

à gargalhada sarcástica e impiedosa

dos eternos e inextinguíveis senhores feudais

(sempre atuais graças a nossa pasmaceira geral)

diante do nosso gemido estudado

falso e supliciado

Grande parte de nós tende a serem mudos vassalos

servos submissos

lacaios empedernidos

sórdidos

embriagados pelas aparências

de uma mansuetude e obediência canina

com suas almas ausentes

trôpegos de tanta vileza

fingindo asco

e lambendo os testículos daqueles

que os põem a andar de quatro

nus de si mesmos

e sem dignidade

Somos um povo sem memória

e sem moral

um povo, de fato, morto

que se esqueceu de deitar

que dormiu dentro do ônibus

e só acordou no ponto final

Enquanto isto, uma voz de arquibancada ecoa em tom de verde e amarelo:

Ah! Eu,

Sou brasileiro

Com muito orgulho

Com muito amor...ôôô

Moral da musiquinha infame:

Quem canta seus males espanta

Comentário da moral da musiquinha infame:

E mantêm-se néscio, distraído e com espírito ovino

PS: Onde lê-se "Nós", entenda-se a grande maioria da população.

A generalização seria leviana.