Quando

Olhando nas faces da vida e da morte

chorei ambas

Morrer não é apenas a ausência que se faz

a madrugada repentina

Não é simplesmente fechar os olhos,

sem lágrimas

Não é só o silêncio esquecido nos lábios

A morte é o cárcere do instante que passou,

inocente, tenso, translúcido e luminoso

como são inocentes, tensos, translúcidos e luminosos

os instantes todos dos dias

E eu clamo, então, pela vida

e pelas flores de mais um amanhecer

que me toma as horas no despudor das manhãs

que, ignorante e desolado, não entendo

Há esta dor no peito da noite

se noite houvesse

e não houvesse estas jaulas sedentas de liberdade

e não houvesse medos e muros dentro dos instantes

ansiosos e atormentados

acobertando o mistério e o segredo

de tanta solidão pousando envolta em enganos

na trama ingente da vida

e nas flores brancas dos jasmineiros

E que tudo não fosse apenas a cambiante imagem

de uma desmesurada colagem

montada em conúbio sobre a areia e a agonia dos ventos

Tudo o que digo são as palavras que meus lábios buscam

quando a brisa sopra

quando me afogo em mares semoventes

quando cai a chuva

quando nasce a flor

quando o filho dorme

quando lembro de chorar

quando esqueço de sorrir

quando apago a lua

quando apago a luz

quando fala a noite

errando em meu quarto

quando vem o amor

quando o amor se vai

e fica tanto adeus

e fica no tempo este exílio

que fito dentro do espelho

O que penso saber é o que foi dito

e o que foi dito aquieta-se

nos milênios incontáveis

em caminhos fatigados e distraídos

e, então, começa o silêncio ensimesmado

começa o outono de folhas caindo no colo da poesia

começa o retinir enganoso das horas

amadurecendo os anos

os danos e as ilusões

começam os jardins

sem flores da tua ausência

de resto

eu nada sei