PÉS QUE NUNCA SERÃO MEUS
Meus pés não são meus,
fazem parte de mim, mas não mando neles.
Por isso nem sempre vou pra onde quero,
por mais que insista nisso.
Meus pés têm alma própria,
meio de cangaceiro, meio de arruaceiro,
meio de cigano, meio de cão vadio.
Queria ter meus pés alinhados comigo,
mas não falam a minha língua,
dentro deles circula outro sangue,
que não tenho a menor ideia qual seja.
Meus pés são esquisitos, vivem em outro mundo,
fazem coisas do arco da velha.
Por vezes me levam pro fim do mundo,
e de lá me arrancam como se arranca fruta podre do pé.
Ou me fazem rodopiar nos meus próprios engasgos
até ficar sem ar, sem razão.
Meus pés nunca serão meus,
nem de ninguém.
Seu destino é anarquizar os ventos,
descabelar quaisquer gotas de luz,
deixar minha fé pelada e tremendo de frio.
Se não fosse por eles, por certo,
eu seria um mero aprendiz de untador de sonhos
por toda vida e nada mais. Como de fato sou e sempre serei.
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