Agora é tarde
Agora é tarde.
Calou-se a voz, perdeu-se a palavra,
derreteu-se a letra, ficou o dito como não dito.
Ficou inaudito. Ficou tudo mal dito, Agora é tarde!
Agora é tarde.
Foi-se o sonho solto na vida, perdeu-se no mundo...
Agora cadê destino que se buscava, cadê abrigo, cadê morada!
Agora não há riso que acalenta, não há mão que afaga; ninguém
consola; ninguém se alegra, não há surpresas, não há caminhos.
Agora é tarde!
Agora é tarde.
Não há pra quem dizer, nem o que dizer, já não há mais nós,
nem há arte em caminhar de mãos dadas pelas calçadas...
Não há inspiração para as poesias, não há destinatários.
Não se prende leitor que não se deleita com os vocábulos;
não há força no olhar, nem há mais olhar, não se vê o belo.
Agora é tarde!
Agora é tarde.
Nada mais é indispensável, nada esta na medida, não há volta,
não há ida, não se ouve mais pelos ares aquela música preferida.
Não se toca mais canção, não se trocam presentes, não se tocam...
Agora é preciso resguardar-se, agora lembrança é privilégio, logo
saudade sozinha se multiplica, agora nada é que fica para sempre!
Agora é tarde.
Agora é tarde.
Agora se cumpre regras, agora se sepultam sonhos, agora obedece a
razão, agora não se ouve mais coração, agora é hora de emudecer o
verbo, de silenciar a fome, de esfriar o desejo, de nevar o amor...
Agora
é hora de congelar a cama, agora é tarde, muito tarde, olhando se vê
de pronto. Agora é tarde para tudo. Até nunca mais. Já é tudo tarde!