RONDÓ
CIX
"...Este encantador ruido dos saltos
no chão, clIc! clac! que lindo tema
para um rondó."
Goethe - Wilhelm Meister
Sejam de couro ou de seda,
Pisem a rua ou na sala,
Com que graça fina e leda
Dobram a sola que estala...
Clic! Clac!
Possui u'a alma as botinas
Que o poeta entender logra;
Umas são fresca, ladinas,
Outras têm cara de sogra.
Clic! Clac!
Com seus lacinhos na frente,
Dando guinchos, dando riscos,
Algumas lembram à gente
Uns calunguinhas ariscos.
Clic! Clac!
Fidalgas de tom bizarro,
Há outras de altivo salto
Que só passeiam a carro
E nunca pisam o asfalto.
Clic! Clac!
Que imenso orgulho elas têm!
Parecem versos de Herédia,
Olham sempre com desdém
As bota da classe média,
Clic! Clac!
Vagabunda das calçadas,
Á toda hora outras se vê,
Botinas emancipadas
Que leram COMTE e LITTRÉ
Clic! Clac!
Formadas em medicina,
Pedagogas de ar sisudo.
Duma insolência supina,
São botas que sabem tudo.
Clic! Clac!
Renegam todas o sexo,
Querem ser homens a pulso,
Tagarelando sem nexo
Num pisar forte e convulso.
Clic! Clac!
Delas fogem os rapazes,
São botas positivistas;
Podem ser sábias, loquazes,
Porém não enchem as vitas,
Clic! Clac!
Não gosto dessas heréticas.
Sinto delas medo até;
As outras são mais poéticas.
Nas outras tenho mais fé.
Clic! Clac!
Que belo vê-las girando
Pelas valsa erradias,
Como um alígero bando
De borboletas vadias!
Clic! Clac
Que coisa maliciosa
Ás confidências tracadas
À sombra misteriosa
Das anáguas perfumadas!
Clic! Clac!
Feiticeiras do babado,
Não se importam com figões
Quando querem pôr olhado
E embruxar os corações.
Clic! Clac!
Quanta cabeça virada,
Procure o X quem quiser,
Pela pronta envernizada
De uma bota de mulher!
Clic! Clac!
Há umas que dão risadas,
Quando chove, as imorais,
Mostrando meias puxadas
E... alguma coisas mais...
Clic! Clac!
Conheci umas então,
Tão pequenas, tão estranhas
Que ambas numa só mão
Cabiam... não são patranhas...
Clic! Clac!
Pisaram porém sem mágoa
Meu coração... e é por isto
Que meus olhos se enchem d'água
Quando passar as avisto
Clic! Clac!
A polícia não devia
Consentir andarem soltas
Botinas cuja magia
As almas tornam revoltas.
Clic! Clac!
Segredo possuem tais,
Sabem artes do demônio...
Contra estas botas fatais
Nem o próprio Santo Antônio...
Clic! Clac!
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Sejam de couro ou de seda,
Pisem na rua ou na sala,
Com que graça fina e leda
Dobram a sola que estala
Clic! Clac!
Quanta cabeças virada
Procure o X quem quiser,
Pela ponta envernizada,
Duma bota de mulher!
Clic! Clac!
Setembro, 1895.
LIRA MODERNA - Diário de Notícias.