Século 21

Há algo nesse instante que se chama fome

Longe, muito longe, do estômago do homem

Há nesse momento uma surdez sem nome

Que escorre dos ouvidos e não nos faz insone.

Há no agora mesmo uma loucura inteira

Que ecoa nas cabeças e faz a alma forasteira

Há no corpo inteiro intensa dor parteira

Do ódio filho e pai da hora que se instala e se diz derradeira.

Há algo no ar que nos transforma

E nos animaliza ante o sangue alheio.

Hoje rir da miséria é o que se faz em norma

E humanizar o humano segue sendo anseio.

Há nos olhos todos uma cegueira tonta

De dar brilho e colorido o que em cinza se apronta

Há nas gargantas presas vozes demais, sem conta,

Que se sufocam e se engolem diante da urgente afronta.

Há nos cios todos um tesão nocivo

Que muda o verbo amar no que se quer lascivo

Há nas esperas muitas um não querer motivo

Prá não mudar do que se está, pois se se imagina vivo.

Há algo no ar que nos transforma

E nos animaliza ante o sangue alheio.

Hoje rir da miséria é o que se faz em norma

E humanizar o humano segue como anseio.