As vidas e as mortes

O vento passa sem pressa

desmanchando as pedras e a vida, lenta e resolutamente

verga o capinzal sobre o lago

crispa as aguas

arrasta as folhas desfazendo o silêncio da noite

que se esconde dentro da tarde

onde tudo finda e recomeça

uma noite apos um dia apos uma noite...

que não são percebidos igualmente

Assim como creio que não são precebidos igualmente por todos as noites e os dias

creio, sinceramente, que a percepção da morte não é igual para todos

pode ser parecida,

mas não igual

Assim como a percepção da vida não é igual para todos

pode ser parecida,

mas não é igual

Creio que, como na vida, a percepção na morte

depende das vivencias e dos pactos de cada um

Creio que morre-se como se vive

e o depois da vida está mergulhado e emerge do que se viveu

e creu

e negou-se

e se viveu

nos castelos

nas tavernas

nas cidades frágeis e canalhas

Os mundos da morte são os mundos e labirintos inacessíveis,

porém, possíveis da vida,

da alma, da mente humana e seus ocasos

Não há nada do outro lado que não esteja dentro da gente

céus e infernos

anjos e potestades

tão vários quantos são os seres humanos

e seus passos adiante e suas angústias

aqui e agora

como um compromisso

Os dias, emergindo de auroras cheias de cores,

fazem-se poesia

e confundem-se com as coisas elementares

entre uma vida e uma morte

sem fazer distinção entre o que é uma o que é outra

sem saber o que há entre uma e outra

ignorando o monólogo tortuoso de obsoletas certezas

Como se a vida fosse um longo e obscuro pensamento

que eu não sei despensar

e que me mantém entretido

longe da

Vertigem e da Pergunta

que torna e retorna suspensa e dissipada em momentos de distração

a Ideia Primordial que faz do ser humano ser o humano do ser

que vem na Canção vinda das estrelas

Os dias evolam-se em sua perfeição

Mais um dia de sombras arredondadas

de chuvas e sois equidistantes,

vernaculares,

e uma lua pousada na noite da infância

As cores da tarde submergem no escuro da noite

e suas emanações reverberam, devagar, nomes e sorrisos

conversas troando no lusco-fusco

e a inquietante Pergunta

que retine intermitente e aparentemente inaudível

na essência e no vir a ser

em tantas madrugadas e dias claros

de um sol intenso e silencioso

tornando-se sombra segundo a segundo

sob o disfarce do tempo

A vida é uma brincadeira entre um suspiro e outro

entre o gesto e o acaso

ensonada de instantes e eternidades

brincadeira que eu não sei brincar

num mundo indecifravel que eu não sei olhar

e falho na indecência dos olhos amargos que trouxe comigo

A vida é brincadeira inconsequentemente perigosa,

sutilmente inefável

séria

lúdica

por tudo ser possível desde que caiba num sonho

e tudo, então, se transforma em escolhas minudentes

muitas das vezes audaciosas e intementes

muitas das vezes só escolhas

que farão de uma proposição uma pessoa

ou um amontoado de frustrações e humilhações

Para além do sonho escorrem as águas imponderáveis e secas

e caem as folhas das árvores, sem rumor

sob as nuvens desigualmente brancas,

desigualmente voláteis

Na outra face do sonho o amor vindo nos livros

nas noites de bares

no sussurro eloquente das divagaçôes nas madrugadas

de amores todos possíveis

vencido o medo que aflora umido e dolorido

o amor aceso no fogo das eternidades das sedas dos papéis

presente nos vazios intangíveis e trêmulos das labaredas

que o vento tece

Viver tanto para não ser nada,

por que os caminhos misturaram-se com os ventos

encobrindo a Pergunta e as coisas da vida

quente ou frio,

e sonhar com a morte

e temer as dores da morte dentro dos segundos

a memória afogada em nuvens

que passam daqui para lá

como eu hei de passar

com meus sonhos afetados,

minhas máscaras

e o enganoso silêncio

coberto dos rumores do lado de cá

E pensar na trôpega ideia da morte,

para muitos,

já é, enfaticamente, a morte

como se morrer fosse opção

ou trapaça