POEMA DO CADERNO PRETO
 



O poeta que há em mim nasceu morto,
E nos tropeços e solavancos
Vocifero escrita em senso torto,
Obstante aos versos livres e brancos.
 
Procuro movimento a seguir,
Farto desta profissão de fé,
Extraio poeticamente o elixir
Desta vida torpe como é.
 
Um romântico contemporâneo,
Sofrendo feridas do passado
Desta consciência no subterrâneo
Do meu eu, por trevas, assombrado.
 
Escrevo poema em culto ao sofisma
N’algum lugar sem gente conhecer,
Nem mesmo aquela moça que cisma,
Com coisas tolas, m’entristecer.
 

Qual poeta na busca de ostracismo.
Novidades de um tempo remoto.
P’ra sentir-me tal por eufemismo,
À reclusão, em páginas, fiz voto.
 
Ando à solta por aí só a fitar
Morte de gente n’alma pelo olho
E pasmo incrédulo a admirar:
Mais um universo com ferrolho!
 
As minhas estradas estão abertas,
Entram e saem incontidamente,
Vêm de todos as mesmas ofertas
Travestidas de intenções da mente.
 
Nunca saberei o ponto de vista.
Confesso que dos meus estou farto!
Não mostram relance, ainda que insista,
Se lhes arranco, é como um parto!
 
No caderno preto a um serafim
Se, em rascunho, mensagem fizesse,
Fosse o que fosse: um “eu” sem mim
No perene ressoar de uma prece:
 
Assim, ó Deus, que me deu a ilusão,
Prefiro a verdade a ser alguém
Que é decrépito desde a criação,
Clamando a vós qu’está no céu. Amém!