A ÁRVORE DO ABISMO
AO EMINENTE SACERDOTE
MONSENHOR BRASÍLIO PEREIRA
" Vexilla regis prodeunt,"
" Fulget crucis mysterium"
" Qua vita mortem pertulit"
" Et morte vitam protulit"
(Hino Litúrgico)
Lenho invencível, Lenha augusto, místico,
Que no Gólgota abriste há vinte séculos
Os braços sobre o Mundo,
Ao sagrado luar do Amor e do Perdão,
E cujo peso esmaga a cabeça do Imundo...
Salve, Árvore do Abismo, ó Lenho apocalítico,
Que ultrapassas com a fronte os astros da amplidão
E mergulhas os pés nas tenebras do Inferno:
Onde blasfema e sonha,
Com saudade do Azul, o Rebelado eterno.
-0-
Eras o pedestal do Crime e da Vergonha,
A tábida cimalha,
Onde vinham comer abutres e chacais
A misera carniça da canalha;
Eras o horrível círio
De cera negra e chamas sepulcrais,
A cujo bruxoleio a hóstia da Maldição
Subia lentamente entre as garras da Morte!
Eras o botaréu sangrento do Martírio,
Eras o opróbio a porta, esquálida e sombria,
O lúgubre vexilo da Aflição,
Dos náufragos da vida o inexorável Norte,
A torre formidável da Agonia,
O lírio roxo das Desolações,
O cibório vermelho das Torturas,
O labéu soberano
Que torcia de angústia os algemados braços,
Na treva das prisões
E aos ouvidos ladrava o hahali das Loucuras...
Eras do condenado o pesadelo insano,
O inesgotável cálix dos Pavores,
O supremo degráu do Desespero humano,
De onde se despenhava, ao látego das Dores,
O coração partido em mil pedaços!
Eras da Infâmia o selo, eterno e tenebroso,
Cuja sombra acordava o uivo triste dos cães,
Drapejando de crepe a curva dos Espaços,
Desenhando no chão o Táu misterioso,
Que martelava o Horror no coração das Mães!
-0-
E um instante bastou para a estupenda Antítese,
Naquela noite escura e trágica do Gólgota!
Que transfiguração!
És hoje pedestal simbólico de um Deus,
O alicerce estrela de uma religião
A Lúcida cimalha,
Onde as águas da Fé pousam, buscando os Céus,
Por sobre a cerração;
Onde o sangue, que as tenebras espalha,
Vão beber noite e dia os lábios virginais;
O heráldico sinal,
Que, remata a coroa e o cetro dos monarcas;
O Místico fanal,
Que, sobre os vagalhões dos temporais,
Aponta o porto ás desgarradas barcas;
E a cuja doce luz a hóstia da Redenção
Sobe da Terra aos Céu, entre os hinos da Vida!
És da Imortalidade, a palma apetecida,
O botaréu divino do Perdão,
O lírio branco dos Predestinados,
A clâmide inconsútil da Concórdia,
A chave triunfal das sepulturas...
És o vexilo da Misericórdia,
Que os grilhões vem partir aos réus ajoelhados,
E os olhos enxugar das Desventuras;
O cibório do Amor que tudo irmana,
És o celeste beijo milagroso,
Que lava do pecado as tenebrosas vazas
E desce até do Inferno o báratro assombroso;
O supremo degráu da Esperança humana,
De onde avistando as célicas alturas,
As almas vôam sacudindo as asas!
És da Verdade o sólio, eterno e glorioso,
Cuja sombra persegue a Razão dos Ateus.
E desenha no chão o Táu prodigioso
Que abre de par em par o pórtico dos Céus!
-o-
Lanho invencível, Lenho augusto, Lenho místico,
Que no Gólgota abriste há vinte séculos
Os braços sobre o Mundo,
Ao sagrado luar do Amor e do Perdão,
E cujo peso esmaga a cabeça do Imundo...
Salve, Árvore do Abismo, ó Lenho apocalítico
Que ultrapassas com a fronte os astros da amplidão
E mergulhas os pés nas tenebras do Inferno
Onde blasfema e sonha,
Com saudades do Azul, o Rebelado eterno.
1904. (Do Poema: As Bem-aventuranças.")