NOX PATRIAE

(ODE TRÁGICA)

AO MEU GRANDE AMIGO RUI BARBOSA

"Wir Weben dein Leichentuch,

"Wir Webem binein den dreifachen Fluch."

(H. HEINE - DIE WEBER)

I

Dobra a defuntos, Musa trágica,

Alto, no azul, dobra a defuntos!

Chova do bronze fel e sangue,

Dobrem meus versos todos juntos.

Do alto da torre do seu gênio,

Vela o poeta sem cessar:

Não há no céu num uma estrela,

Nem um farol no visto mar.

Ó minha mãe! Pátria adorada!

Os olhos trazes razos d'água,

A fronte heril cheia de espinhos,

O coração cheio de mágoa.

Faces vermelhas de vergonha,

Negro de angústia o coração,

Vamos cosendo-te a mortalha,

Vamos pregando-te o caixão!

Dobra a defuntos, Musa trágica,

Alto, no azul, dobra a defuntos!

Chova do bronze fel e sangue,

Dobrem meus versos todos juntos.

II

Que atroz calvário sobe a Pátria!

Como é pesada a sua cruz!

Punge e revolta essa agonia,

Como a agonia de Jesus.

Apunhalada pelas costa

À luz do sol, tomba a República!

E o manto seu, não sei que infame

Vende em leilão, na praça pública!

Um alto muro de ignomínias

Esconde o sol, tapa o luar...

Só derribá-lo poderia

A catapulta popular.

Dobra a defuntos Musa trágica,

Alto, no azul, dobra a defuntos!

Chova do bronze fel e sangue,

Dobrem meus versos todos juntos.

III

Mas onde o pulso dos Andradas?

Mas onde a Fé dos nossos pais?

Águias geraram só abutres,

Leões geraram vis chacais.

Mas onde o povo? acorrentado

Ao pelourinho atroz do Medo,

Lembra o cadáver dum gigante,

Preso debaixo dum rochedo.

Faces vermelhas de vergonha,

Negro de angústia o coração,

Vamos cosendo-te a mortalha,

Vamos pregando-te o caixão!

Dobra a defuntos, Musa trágica,

Alto, no azul, dobra a defuntos!

Chova do bronze fel e sangue,

Dobrem meus versos todos juntos.

IV

Um vento frio de loucura

Varreu fronte a todos nós!...

Partiu o leme em mil pedações,

Dos capitães calou-se a voz.

Maldito seja o ídolo negro

Que à sobra augusta do Direito,

O pão arranca aos nossos filhos

E rouba Deus ao nosso peito!

Que atroz calvário sobre a Pátria!

Como é pesada a sua cruz!

Punge e revolta essa agonia,

Como a agora de Jesus!

Dobra a defuntos, Musa trágica,

Alto, na azul, dobra a defuntos!

Chova do bronze fel e sangue,

Dobrem meus versos todos juntos.

V

O Ouro - esse deus, sem ateísmo -

Goulo voraz, sem compaixão,

Toca o halali das consciências

E o sangue horrível da Nação!

Tudo perdido! O abismo escuro

Ulula a morte do navio!...

Lava a ressaca o tombadilho

A covardia varre o brilho.

Ó minha mãe! Pátria adorada!

- Crime sem nome e sem perdão -

Vamos cosendo-te a mortalha,

Vamos pregando-te o caixão!

Dobra a defuntos, Musa trágica,

Alto, no azul, dobra a defuntos!

Chova do bronze fel e sangue,

Dobrem meus versos todos juntos.

1901

DR. EGAS MONIZ BARRETO DE ARAGÃO (PÉTHION DE VILLAR)
Enviado por Francisco Atila Moniz de Aragão em 22/06/2015
Reeditado em 22/06/2015
Código do texto: T5286042
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