Desgoverno

Eva Maria

(Paulo Mendonça)

Por onde anda a Eva ? Maria !

parida das entranhas do universo,

talhada em prosa e verso,

das mãos de Deus, divina alquimia.

Por onde anda você, tão a toa,

no altar da hipocrisia, embutida,

pois te chamaram, um dia, pervertida,

e esqueceste de ti, ó leoa.

Por onde anda você em pilhéria,

pela costela de Adão, submissa,

obrigações, deveres e a missa,

no deus lhe pague por esta miséria.

Por que não gritas, “sou o paraíso”,

que um dia concedeu ao Adão,

o direito de ser um João,

da corte ao seu fêmea, Narciso.

Enfim, por onde andam, as Veras,

as Paulas, Cristinas e Adrianas,

Josefinas, Reginas e Anas ?

todas Marias... Evas quimeras...

Evas das entranhas parideiras;

altares do amor... masmorras da dor...

Marias, estranhas prisioneiras,

dos Joãos, dos Joãozinhos, do pudor...

Desgoverno

(Maria Quitéria)

são horizontes, fronteiras

oceanos de navegação

sem sujeição a eiras

princípios ou nãos

é lugar como se fosse fim

um avesso com montes de ais

vísceras expostas de mim

desconstrução sem rituais

um alicerce de muitas lágrimas

nuns gostos vis, marginais

do livro, as duas últimas páginas

final de estória, sem mais

e um medo ao ser misturada

pela perda da identidade

estar entre mulheres tantas, fadada

sem cor, matiz, numa inverdade

abrir-se ao dissolver de tudo

sem misericórdia, sem enleio

a alma ameaçada sem escudo

chupada até a última gota do seio

o sangue, a angústia medonha

com sua longa noite de dor

pesadelo para quem sonha

houvera construído um amor

com suas estrelas em uivo

em seu gênese sem restauração

mostra dores de vermelho ruivo

no machucado corte da mão

faz desmoronar a última esperança

tombada no chão sem pavimento

dando aos olhos a tristeza mansa

de ser mais uma no movimento...