Reinício

I.

Meus cabelos caem

quando a revista que leio

é de quatorze anos atrás.

Minha corcunda cresce

quando vejo a tecnologia

dos meus tempos de garoto.

Minha pele enruga

quando a mulher da capa

não é mais minha fantasia.

Minha voz é pouca

a partir do momento que vejo

coisas que já se acabaram.

Meus olhos enfraquecem

quando percebo que nada

mais aqui me maravilha.

Minhas mãos tremem

quando lembro de objetos

que agora são banais.

Meu tempo pára

quando penso em tudo isso

e esqueço que tudo tem história.

Meus dentes amarelam

na fumaça do cigarro

que nunca fumei.

Meus ossos quebram

na batida do carro

outrora zero-quilômetro.

Minhas roupas saem de moda

na velocidade do tempo

no crepitar de páginas.

Lugares e nomes, ritmos antigos,

modelos antiquados,

e nem a musa está aqui:

meu corpo trava

meu vento cessa

a vida vira trova

o passo pesa a pele

num não ser mais viço

e sou, agora, apenas,

o espanto no rosto

dos que não me viram

conquistando o mundo,

sonhando por vir...

II.

Minhas doenças surgem

quando lembro que vi nascer

gentes que não conheço

(quem nunca vai me conhecer).

Mina libido acaba

Com o primeiro acorde

da música tímida no rádio

(a dar respostas e coragem).

Tenho permanentes ereções

nos momentos em que vejo

comerciais que não dizem

nada à minha personalidade.

Minha cor sem sol fica

morena quando percebo

marcas de um tempo que

desmarcam sinais vitais –

Meu coração desmarca

passos na pisada de bola

que dei na areia da praia

onde vi ondas morrerem.

Minhas rugas se abrandam

quando eu abandono o dia

futuro para depois de amanhã

e penso abraçar o perigo.

As maçãs meu rosto crescem

no sorriso de ver chegar fim

do túnel e ter esperança em

correr meus riscos em avenidas.

Com minha ignorância restabelecida

eu volto a correr, fazer ginástica,

ter força em meus braços e pernas –

só porque não sou assassino do tempo.

Não preciso mais de óculos

quando contemplo minhas mãos

limpas de negócios sujos –

meus ideais não mudam com a idade.

Meus pelos se escurecem no início

da construção do mundo ao me voltar

ao início da criação e atentar que

suas lendas já não repercutem ecos

no meu corpo fechado, verbo rasgado.

E faço minha higiene ao notar antiguidades

que foram inúteis mesmo em seus tempos de glória:

meus olhos atentos brilham

ao perceber que mais nada sobrou

de gente nos livros, vozes no microfone

mãos no teclado, mas há quem cante.

Minhas unhas são aparadas

quando avisto novas funções

para meus aparelhos

e não os vejo mais que máquinas.

Minhas doenças acabam

no instante em que não mais

prendo os fantasmas às correntes

que se arrastam nos anos.

Meu corpo volta a combater

tal qual bicho em seu bando

só porque, agora, tudo o que é

de verdade, é de fantasia.

Meu tronco ereto, largo

o cio fácil, dentes brancos,

quando nenhum objeto tem

em suas partes tradições alheias.

Logo, as minhas máquinas

deixam de ser os órgãos

que dão vida aos mortos

e um corpo às lembranças -

minha massa aumenta

quando minha estrutura

deixa de ser plástico, ferro

e pano, e harmonias...

http://metrezuza.blogspot.com