Vivências

É momento do recolher das conchas.

O mar sacudido pelo frêmito das ondas

Abraça atrevido o cheiro dos corpos

Que em suas águas tremeram

É momento de guardar soluços

Que ressoam nas lágrimas das marés

Enquanto um lenço bordado de saudade

Repousa esquecido no cais

É momento de deixar o olhar à deriva

A tristeza a secar-se no colo do sol

Ainda que no silêncio dos lábios

As palavras cristalizem-se sem ar

É momento da memória em vigília

Ardendo sob o sal da espera.

Segredos entrelaçados em dedos mudos

Acalentando a espuma das horas

É momento de modificar rotas

Como o vento a desalinhar margens

Enquanto erma, a paisagem se fecha

Lambendo os passos já sepultados

É momento de baixar âncoras

E contemplar a curva do tempo

Até que arrebatada do peito

A dor caia em sono profundo...

Fernanda Guimarães

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Texto - J.B. Xavier

Embora compondo em parceria com ela desde junho de 2000, foi somente em julho de 2001 - um ano mais tarde - que me rendi à arte de Fernanda Guimarães, expressa através deste poema.

Só vim a conhecê-la pessoalmente, quando de sua recente visita a São Paulo, em julho último, após seis anos de parceria na literatura. Pude então constatar que ela é realmente a pessoa iluminada que brilha nos versos de amor que compõe, cuja luz está tão intensamente refletida neles que é virtualmente impossível dissociar a mulher, da poetisa.

Que o fulgor dessa luz continue a iluminá-la para que possamos nós, seus admiradores, continuar a desfrutar de seus magníficos poemas, que, em minha opinião, tem em "Vivências" seu ponto mais significativo.

Este poema impressionou-me de tal forma que à época de sua publicação homenageei Fernanda Guimarães, no site Usina de Letras, com o texto a seguir:

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"E enfim, li VIVÊNCIAS, de Nandinha Guimarães

Se dúvidas havia, repensem-se os recalcitrantes, porque este poema coloca Nandinha Guimarães no panteão das grandes poetisas do idioma português. Sem dúvida, um dos seus melhores poemas, senão o melhor! Na verdade este é o poema que eu gostaria de ter composto, o poema que persigo...o poema definitivo!

É, de fato,

"o momento do recolher das conchas,

o momento acalentado pela espuma das horas...

O momento do modificar de rotas

enquanto a paisagem se fecha sobre os passos já sepultados...

e observar a curva do tempo

até que a dor caia em sono profundo"

Divino!

Sublime!

Verdadeiramente arrebatador!

Finalmente, para falar de poesia e sensibilidade na alma feminina expressa através de versos maravilhosos, já não precisamos recorrer apenas a Espanca ou Lispector. Surge alguém, enfim, que a história registrará com certeza, nos anais da aventura ao mais profundo da alma humana.

Ter tido a oportunidade de privar de parcerias com esta mestra da palavra, a quem sequer conheço pessoalmente, não é somente um privilégio do qual me orgulho, mas também um sublime aprendizado das coisas do Ser. Guiado por sua mão, visitei muitas vezes o país da poesia, no mais puro estado da arte que se possa concebê-lo".

J.B. Xavier - 18.07.2001

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Hoje, novamente tocado pela declamação deste poema, rendo minha homenagem a esta que é, sem dúvida, uma das maiores poetisas da atualidade.

J.B.Xavier - Agosto 2006

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Texto - Fernanda Guimarães

Na minha história com as palavras existem profundos silêncios.

Na adolescência, as letras já se queriam versos, mas nem sempre eu os permiti existir. Talvez temesse que a palavra dissesse mais de mim, do que eu poderia saber naquele momento. Os poemas, então compostos, acabaram em gavetas, guardados em passagens secretas ou no semicerrar das pálpebras...

Acho que a poesia sempre existiu em mim...vezes, libertária e liberta; vezes grilhão e precipício.

Nunca me preocupei com estilos e formas. A inspiração nunca me permitiu retoques ou fórmulas. Escolhi o sentir como escola...

Entre os parceiros dos meus caminhos poéticos, está J.B. Xavier. Nestes últimos anos, em todos os meus passos e descobertas, havia o olhar dele, iluminado-me os caminhos.

"Vivências" é uma referência na construção desta relação de admiração recíproca. Esta poesia tocou-o de tal forma que o inspirou a compor uma música sob o mesmo título, que acompanha a declamação desta poesia.

À J.B. Xavier, meu agradecimento especial por acompanhar-me no meu caminho pela vida!

Visite "De Amores e Saudades - Fernanda Guimarães":

www.fernandaguimaraes.com.br

Fernanda Guimarães
Enviado por Fernanda Guimarães em 26/02/2005
Reeditado em 25/08/2008
Código do texto: T5258