[Indício de Vida]

[Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. – Fernando Pessoa]

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Ora, não me aborreçam:

eu não sou o que eu escrevo!

e se escrevo, é para aliviar-me,

para extravasar minhas esturdices.

Ninguém me supera na prática do absurdo:

roubei-me a luz,

institui o breu no meu caminho,

entreguei o meu pescoço à canga.

Minha cabeça gira numa roda infernal:

masgaiam-se os ossos da minha espinha,

murgueiam-se, invertebradas, as minhas vontades,

ando segundo o que não sou, nem quero!

Mas meu coração bate surdezas, estou no mundo:

hora a hora, e sem cessar,

a morte passa mel nos meus lábios —

é o único indício de que eu estou vivo.

[Ainda]

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[Penas do Desterro, 13 de junho de 2007]

[Obs: o verbo masgaiar, como todos sabem, sempre existiu em Minas. Eu vi e ouvi a minha mãe masgaiar coisas: arnica, hortelã, pimenta, sal com alho etc... Gosto do verbo masgaiar pelas propriedades terapêuticas que tem. Ah, e galho verde de goiabeira "murgueia"... mas não quebra! Eu não escorrego nas palavras, pois mineiro não escorrega — ladeia! ]