Figueiredo Pimentel
A onça e o cabrito
Imaginário
Textos sobre lendas e mitos; contos; personagens; fábulas; narrativas populares; seres fantásticos...
No tempo em que os animais falavam, nesse mesmo tempo chamado do Onça, em que se amarravam os cachorros com linguiças, achava-se uma onça dormindo a sesta, enganchada num galho de árvore, quando exclamou:
— Qual! isto assim não tem jeito! Estou há largo tempo a procurar cômodo neste pau, e nada de poder dormir! Vou fazer uma casa para morar.
Foi a um lugar da floresta, e depois de procurar bem, disse:
— É aqui mesmo; melhor lugar não poderia encontrar.
Roçou o mato que ali havia, capinou tudo muito bem.
Mestre Cabrito também andava com vontade de fazer casa de moradia. Saindo uma vez, em busca de local apropriado, deu com o roçado que dona Onça tinha feito horas antes, e disse:
— Bravo que belo sítio este aqui! Parece feito de propósito para uma casinha.
Dizendo isso, pôs-se logo a cortar grossos paus para servirem de esteios à casa; fincou-os no chão e foi descansar.
No dia seguinte, chegou dona Onça, e vendo os esteios já fincados, exclamou:
— Com certeza, é Deus quem me está ajudando. Ontem, apenas limpei o mato, e hoje já venho encontrar os esteios da casa!
Cortou mais paus; fez a cumeeira; pôs as travessas e retirou-se.
Quando o senhor Cabrito chegou e viu aquele progresso na construção, exclamou:
— Qual! Decididamente Deus Nosso Senhor Jesus Cristo está me ajudando. Estou encantado de Graça... Não pode ser outra coisa. Por isso, mãos à obra senhor Cabrito, quanto mais depressa melhor.
Então colocou caibros na casa, e nesse dia deu por findo o serviço, achando que havia trabalhado muito.
Quando dona Onça veio, ainda mais admirada ficou. Nada disse, todavia pregou as ripas e os enchimentos, e foi embora.
O cabrito pôs as varas, os portais e as janelas, e saiu.
A onça cobriu a casa de telhas.
O cabrito assoalhou e fez o teto.
Um dia, um, outro dia, outro, trabalharam sucessivamente os dois animais, sem no entanto jamais se encontrarem, cada um pensando que era Deus que o protegia.
Ficando pronta a casa, dona Onça fez a cama e deitou-se.
Ainda não tinha ferrado no sono, quando chegou também o cabrito, que, vendo a onça, disse:
— Não, comadre Onça; esta casa é minha. Fui eu que finquei os esteios, pus os caibros, os portais, as janelas etc.
Depois de muita discussão, a Onça, que já estava com vontade de comer o cabrito, falou:
— Bem, compadre, não é preciso fazer questão; vivamos juntos, como bons amigos.
O cabrito, embora com muito medo, aceitou a proposta da onça, mas por precaução, armou a cama longe, perto da janela, para poder escapulir ao primeiro sinal de perigo.
Achava-se ainda na cama, aos primeiros albores da madrugada, quando a onça se virou para ele e lhe disse:
— Vou dizer-lhe uma coisa, compadre Cabrito, quando estou zangada, começo a franzir o couro da testa, tome cuidado.
— E eu, comadre Onça, — respondeu o outro, fazendo-se forte, mas com verdadeiro pavor, — quando estou com raiva, começo a sacudir as minhas barbichas, e se der algum espirro, então fuja, porque não estou para brincadeiras.
Vendo que o outro não fugia, a onça saiu, dizendo que ia buscar alguma coisa para comerem.
Meteu-se atrás de uma moita, num mato muito cerrado, pertinho de um regato, onde os outros bichos costumavam ir beber água.
Apareceram diversos animais, mas a onça não se mexeu. Quando porém, chegou um cabrito grande, muito gordo, de um salto caiu-lhe ela em cima e matou-o.
Arrastou-o até a casa e, de fora, já vinha gritando:
— Abra a porta, compadre Cabrito, para eu poder passar com a minha caça!
Mestre Cabrito, já desconfiado daquele barulho, imaginando ser alguma cilada que lhe armara ela, respondeu no mesmo tom:
— Está aberta, comadre, basta empurrá-la.
Quando o cabrito viu o seu companheiro teve muito medo, e disse consigo mesmo:
— Se ela matou ele, que é maio e mais forte que eu, como não procederá comigo.
E protestou ficar cada vez mais alerta.
Ofereceu-lhe a onça um bocado de carne, mas o cabrito não aceitou dizendo já ter almoçado.
* * *
No outro dia, foi ele quem disse à onça:
— Agora comadre, sou eu quem vai à caça. Vou arranjar alguma coisa para comermos.
Embrenhou-se pela floresta adentro, quando viu uma onça muito grande e gorda.
Disfarçou e começou a cortar cipós fortes.
A onça, chegando perto, indagou:
— Amigo cabrito, para que é que está você cortando tanto cipó?
— Oh! Amiga onça, não sabe do caso? Então não sabe que o mundo está para vir abaixo, que um grande dilúvio e grande ventania vem cá para a terra? Trate de si, que é o que deve fazer. Eu vou-me amarrar com estes cipós, porque não quero morrer já.
A onça, com medo, escolheu um pau bem grosso e pediu ao cabrito por tudo quanto havia que a amarrasse.
O cabrito amarrou-a perfeitamente com uma porção de cipós, e quando a viu bem segura, matou-a.
Desatou o cipó que a prendia, e começou a arrastá-la até a casinha.
Quando chegou, disse à sua comadre, que ficara em casa:
— Comadre Onça, trago comida para dois dias, venha ver, e vamos esfolar o bicho, que está gordo que faz gosto.
A onça, quando viu uma companheira sua, morta pelo cabrito, teve muito medo, mas nada disse.
* * *
Começaram os dois a ter medo um do outro.
Um dia, o cabrito estava perto da janela, tomando fresco, quando viu a onça com o couro da testa todo enrugado, o que nela era sinal de raiva.
Teve receio. Começou a sacudir as barbinhas, e deu um grande espirro.
A onça ouvindo-o e lembrando-se que era o sinal da zanga do cabrito, pulou de cima da cama e começou a correr como uma desesperada, por este mundo afora.
O cabrito, por seu lado, fugiu também, em direção oposta, com medo da onça.
E os dois ainda hoje se evitam...
(Pimentel, Figueiredo. Histórias da avozinha. Rio de Janeiro; Belo Horizonte, Livraria Garnier, 1994, p.86-90 (Biblioteca de autores célebres da literatura infantil, 3))
P/S NUMA VERSÃO MAIS ANTIGA, A ONÇA DISSE PARA MEDRAR O BODE QUE QUANDO ELA DESSE UM NÓ NA SAIA É POR ESTAR MUITO BRAVA O CABRITO RESPONDEU QUE NO DIA QUE CALÇASSE AS BOTAS NOS PÉS TROCADOS É PORQUE ESTARIA PRONTO PARA BRIGAR.
Trovador das alterosas.
Este amor
Quando se ama e sente-se amado
Torna-se um sonho sem medida,
Um lindo conto de fada dourado
Fica fácil subir os degraus da vida.
Os erros e acertos são somados
E sempre prevalece toda vontade,
Fazendo do amor cofres sagrados
Guardando pedaços da felicidade.
Se ele calça a bota no pé errado
Arma-se de canhão ou de azagaia...
Ela coloca o seu orgulho de lado,
Desmancha o nó que deu na saia.
Reconquistam a paz quase perdida
Vence assim, o desejo e a paixão...
A felicidade volta a ter uma guarida
Com cada pedacinho num coração.
A onça e o cabrito
Imaginário
Textos sobre lendas e mitos; contos; personagens; fábulas; narrativas populares; seres fantásticos...
No tempo em que os animais falavam, nesse mesmo tempo chamado do Onça, em que se amarravam os cachorros com linguiças, achava-se uma onça dormindo a sesta, enganchada num galho de árvore, quando exclamou:
— Qual! isto assim não tem jeito! Estou há largo tempo a procurar cômodo neste pau, e nada de poder dormir! Vou fazer uma casa para morar.
Foi a um lugar da floresta, e depois de procurar bem, disse:
— É aqui mesmo; melhor lugar não poderia encontrar.
Roçou o mato que ali havia, capinou tudo muito bem.
Mestre Cabrito também andava com vontade de fazer casa de moradia. Saindo uma vez, em busca de local apropriado, deu com o roçado que dona Onça tinha feito horas antes, e disse:
— Bravo que belo sítio este aqui! Parece feito de propósito para uma casinha.
Dizendo isso, pôs-se logo a cortar grossos paus para servirem de esteios à casa; fincou-os no chão e foi descansar.
No dia seguinte, chegou dona Onça, e vendo os esteios já fincados, exclamou:
— Com certeza, é Deus quem me está ajudando. Ontem, apenas limpei o mato, e hoje já venho encontrar os esteios da casa!
Cortou mais paus; fez a cumeeira; pôs as travessas e retirou-se.
Quando o senhor Cabrito chegou e viu aquele progresso na construção, exclamou:
— Qual! Decididamente Deus Nosso Senhor Jesus Cristo está me ajudando. Estou encantado de Graça... Não pode ser outra coisa. Por isso, mãos à obra senhor Cabrito, quanto mais depressa melhor.
Então colocou caibros na casa, e nesse dia deu por findo o serviço, achando que havia trabalhado muito.
Quando dona Onça veio, ainda mais admirada ficou. Nada disse, todavia pregou as ripas e os enchimentos, e foi embora.
O cabrito pôs as varas, os portais e as janelas, e saiu.
A onça cobriu a casa de telhas.
O cabrito assoalhou e fez o teto.
Um dia, um, outro dia, outro, trabalharam sucessivamente os dois animais, sem no entanto jamais se encontrarem, cada um pensando que era Deus que o protegia.
Ficando pronta a casa, dona Onça fez a cama e deitou-se.
Ainda não tinha ferrado no sono, quando chegou também o cabrito, que, vendo a onça, disse:
— Não, comadre Onça; esta casa é minha. Fui eu que finquei os esteios, pus os caibros, os portais, as janelas etc.
Depois de muita discussão, a Onça, que já estava com vontade de comer o cabrito, falou:
— Bem, compadre, não é preciso fazer questão; vivamos juntos, como bons amigos.
O cabrito, embora com muito medo, aceitou a proposta da onça, mas por precaução, armou a cama longe, perto da janela, para poder escapulir ao primeiro sinal de perigo.
Achava-se ainda na cama, aos primeiros albores da madrugada, quando a onça se virou para ele e lhe disse:
— Vou dizer-lhe uma coisa, compadre Cabrito, quando estou zangada, começo a franzir o couro da testa, tome cuidado.
— E eu, comadre Onça, — respondeu o outro, fazendo-se forte, mas com verdadeiro pavor, — quando estou com raiva, começo a sacudir as minhas barbichas, e se der algum espirro, então fuja, porque não estou para brincadeiras.
Vendo que o outro não fugia, a onça saiu, dizendo que ia buscar alguma coisa para comerem.
Meteu-se atrás de uma moita, num mato muito cerrado, pertinho de um regato, onde os outros bichos costumavam ir beber água.
Apareceram diversos animais, mas a onça não se mexeu. Quando porém, chegou um cabrito grande, muito gordo, de um salto caiu-lhe ela em cima e matou-o.
Arrastou-o até a casa e, de fora, já vinha gritando:
— Abra a porta, compadre Cabrito, para eu poder passar com a minha caça!
Mestre Cabrito, já desconfiado daquele barulho, imaginando ser alguma cilada que lhe armara ela, respondeu no mesmo tom:
— Está aberta, comadre, basta empurrá-la.
Quando o cabrito viu o seu companheiro teve muito medo, e disse consigo mesmo:
— Se ela matou ele, que é maio e mais forte que eu, como não procederá comigo.
E protestou ficar cada vez mais alerta.
Ofereceu-lhe a onça um bocado de carne, mas o cabrito não aceitou dizendo já ter almoçado.
* * *
No outro dia, foi ele quem disse à onça:
— Agora comadre, sou eu quem vai à caça. Vou arranjar alguma coisa para comermos.
Embrenhou-se pela floresta adentro, quando viu uma onça muito grande e gorda.
Disfarçou e começou a cortar cipós fortes.
A onça, chegando perto, indagou:
— Amigo cabrito, para que é que está você cortando tanto cipó?
— Oh! Amiga onça, não sabe do caso? Então não sabe que o mundo está para vir abaixo, que um grande dilúvio e grande ventania vem cá para a terra? Trate de si, que é o que deve fazer. Eu vou-me amarrar com estes cipós, porque não quero morrer já.
A onça, com medo, escolheu um pau bem grosso e pediu ao cabrito por tudo quanto havia que a amarrasse.
O cabrito amarrou-a perfeitamente com uma porção de cipós, e quando a viu bem segura, matou-a.
Desatou o cipó que a prendia, e começou a arrastá-la até a casinha.
Quando chegou, disse à sua comadre, que ficara em casa:
— Comadre Onça, trago comida para dois dias, venha ver, e vamos esfolar o bicho, que está gordo que faz gosto.
A onça, quando viu uma companheira sua, morta pelo cabrito, teve muito medo, mas nada disse.
* * *
Começaram os dois a ter medo um do outro.
Um dia, o cabrito estava perto da janela, tomando fresco, quando viu a onça com o couro da testa todo enrugado, o que nela era sinal de raiva.
Teve receio. Começou a sacudir as barbinhas, e deu um grande espirro.
A onça ouvindo-o e lembrando-se que era o sinal da zanga do cabrito, pulou de cima da cama e começou a correr como uma desesperada, por este mundo afora.
O cabrito, por seu lado, fugiu também, em direção oposta, com medo da onça.
E os dois ainda hoje se evitam...
(Pimentel, Figueiredo. Histórias da avozinha. Rio de Janeiro; Belo Horizonte, Livraria Garnier, 1994, p.86-90 (Biblioteca de autores célebres da literatura infantil, 3))
P/S NUMA VERSÃO MAIS ANTIGA, A ONÇA DISSE PARA MEDRAR O BODE QUE QUANDO ELA DESSE UM NÓ NA SAIA É POR ESTAR MUITO BRAVA O CABRITO RESPONDEU QUE NO DIA QUE CALÇASSE AS BOTAS NOS PÉS TROCADOS É PORQUE ESTARIA PRONTO PARA BRIGAR.
Trovador das alterosas.
Este amor
Quando se ama e sente-se amado
Torna-se um sonho sem medida,
Um lindo conto de fada dourado
Fica fácil subir os degraus da vida.
Os erros e acertos são somados
E sempre prevalece toda vontade,
Fazendo do amor cofres sagrados
Guardando pedaços da felicidade.
Se ele calça a bota no pé errado
Arma-se de canhão ou de azagaia...
Ela coloca o seu orgulho de lado,
Desmancha o nó que deu na saia.
Reconquistam a paz quase perdida
Vence assim, o desejo e a paixão...
A felicidade volta a ter uma guarida
Com cada pedacinho num coração.