NO CORAÇÃO DO MUNDO
Ainda ontem
eu tocava flauta no vale das solidões escondidas
quando uma águia de prata,
de asas longas
e garras de vento, veio
e roubou-me para sempre de mim.
De repente, eu estava nas alturas
e nem me lembrava mais
se era gente ou pássaro.
Viajava sem saber para onde,
entregue ao desígnio-pássaro
que tem o rumo desenhado apenas pelo instinto.
Sabia da urgência em manter os olhos abertos
para contemplar tudo.
Sentia um vento frio no rosto
e um outro frio por dentro.
Então, vi a montanha,
uma enorme montanha recortada
contra o azul da paisagem.
Há momentos na vida que são únicos
e derradeiros.
O instante breve entre um voo e o pousar
no ponto mais alto do mundo
me fez sentir que eu podia
ser bem maior do que um dia fora.
Agora, eu era a própria montanha,
e tinha olhos de águia e asas de vento.
Naquele instante mágico,
tive a plena certeza de que
algo diferente acontecia.
Tomei a flauta nas mãos,
levei-a aos lábios
e soprei uma canção:
a canção que celebra
a inauguração de um novo tempo
a pulsar no coração do mundo.
Agora, com lábios de montanha
meu sopro de pedra esculpe o grito
de esperança tamanha
que se ouve feito um eco para além do infinito,
bem mais alto do que a própria montanha.