Mortes diárias
Estou fadado a morrer
Duas centenas de vezes a cada dia
Preso nas masmorras
Dos meus sonhos infantis
Seguro as minhas calças caídas nos quadris
Esbarro nas paredes afetado por modorras
Estou fadado a morrer
E o pensamento dessa morte vira fumaça
Quando alguém grita e tudo em mim se irrita
E eu perco o compasso
Da vontade
E da morte
Eu morri hoje pelas mãos de um carrasco
Na forma de uma música desafinada
Que saída d'uma garganta desgraçada
Cheia de mucos que me davam asco
Eu morri hoje dormindo
Morri caindo e morri acordado
E meu coração doce agitou-se
Achando que era o culpado
Enquanto o cérebro ria
Meu Deus, eu vou morrer todo dia!
Eu tenho tanta coisa a fazer
Eu tenho um mundo cheio de amanhãs
Eu tenho um quarto de hora
E uma estrada adiante
Tenho uma faca na estante
Tenho uma vontade, um afã
De não fazer nada agora
(Façam silêncio - quanto barulho!)
Se eu pudesse falar, falaria
Mas os ruídos inquietos inquietam o sono do povo
Amanhã eu vou morrer de novo
Pois fadado estou a duas centenas
De mortes pequenas
E três catástrofes enormes
Que me deixam co'a mente disforme
Tudo isso me acontece num só dia
E por incrível que pareça
(pensa a cabeça quente apoiada numa mão fria)
É tudo tão familiar...