VELÓRIO VERTICAL

sobrepostos pétalas e botões

no mais funesto dos arranjos

contra a parede põe-se a dançarina

debaixo do lamento de negros banjos

entrecortada pelo luto das lamparinas

contrapostas, coroas de família,

murchas, atraem moscas pagãs,

que pousam insolentes sobre a dançarina

lambiscando-lhe vorazmente a tez de tecelã

até serem enxotadas pela casmurra catirina

sobrepostos dizeres e orações

na mais mórbidadas combinações

a figura quase inexistente da dançarina

debaixo de urros de dor e lamentações

afunda-se nos cravos daquela vil vitrina

cruzadas, suas sapatilhas mal tocam o chão

amparada pois está por cabos atados ao teto

uma moldura de dálias tão pálidas quanto a dançarina

e um mar de cravos que lhe velariam até os tataranetos

reconhecem firma e dão fé disso tudo que não se procrastina

paralelas, duas filas de mocinhas circundam-na

acenando lencinhos;fazendo discretos sinais-da-cruz

a mais ousada recline-se e beija a testa fria da dançarina

mas a reservada, ó coitadinha, pedia para acenderem a luz

pois já não aguentava mais aquela cantilena viperina

amontoados, os cavalheiros procuram a varanda

acendendo cigarrilhas; comentando situações

o mais moço lhe era primo porém o velho jamais vira a dançarina

atraido fora pela multidão, eloquente em eternas murmurações,

e pelo aroma traiçoeiro e convidativo da mais nobre das cafeínas

espalhadas, crianças afogueadas correm pelo campo santo

na sexta hora, o céu mal encarado e o soar do sino

enquanto os pais lidam com a morte da pobre dançarina

a manada estourada de nem tão miúdos meninas e meninos

mostram, uns aos outros, onde tomaram a última vacina