"Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa.
Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca. Cuspi a semente.
Assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir
a semente resguardada lá no fundo, como um feto." (*) 


*


VERDE INDIGESTO 

 



O porão das nossas incertezas
Mergulha-nos na escuridão.
Faz-nos escravos da poeira,
Do mofo,
Das nódoas de umidade,
Dos móveis empilhados,
Dos brinquedos incompletos,
Dos cacarecos que guardamos
Sem questionar por quê...

Quando lhe abrimos a porta
Um feixe de luz adentra o espaço,
Bate num espelho meio-corpo, descascado,
E mostra-nos uma figura nojosa,
Limosa,
De olhos melancolicamente baços,
Um verde lagarto amarelo azulado:
A estranheza que não percebemos ser e ter,
A incoerência de que zombamos no outro.

Remanso de frustrações...
Nós e nossas perplexidades.
Nós e as vergonhas escamoteadas.
Nós e as teorias sem qualquer prática.

Nós e nossa autoignorância.

Verdes.
Abstrusos.



 

 
(*) in "Verde Lagarto Amarelo", conto de Lygia Fagundes Telles.
imagem:
Johannes Stoetter

 
KATHLEEN LESSA
Enviado por KATHLEEN LESSA em 14/05/2015
Reeditado em 20/07/2015
Código do texto: T5241813
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