"Com a ponta da língua pude sentir a semente apontando sob a polpa.
Varei-a. O sumo ácido inundou-me a boca. Cuspi a semente.
Assim queria escrever, indo ao âmago do âmago até atingir
a semente resguardada lá no fundo, como um feto." (*)
*
VERDE INDIGESTO
a semente resguardada lá no fundo, como um feto." (*)
*
VERDE INDIGESTO
O porão das nossas incertezas
Mergulha-nos na escuridão.
Faz-nos escravos da poeira,
Do mofo,
Das nódoas de umidade,
Dos móveis empilhados,
Dos brinquedos incompletos,
Dos cacarecos que guardamos
Sem questionar por quê...
Quando lhe abrimos a porta
Um feixe de luz adentra o espaço,
Bate num espelho meio-corpo, descascado,
E mostra-nos uma figura nojosa,
Limosa,
De olhos melancolicamente baços,
Um verde lagarto amarelo azulado:
A estranheza que não percebemos ser e ter,
A incoerência de que zombamos no outro.
Remanso de frustrações...
Nós e nossas perplexidades.
Nós e as vergonhas escamoteadas.
Nós e as teorias sem qualquer prática.
Nós e nossa autoignorância.
Verdes.
Abstrusos.
(*) in "Verde Lagarto Amarelo", conto de Lygia Fagundes Telles.
imagem: Johannes Stoetter
imagem: Johannes Stoetter