A Máquina

Neste quarto escuro/

O medo desenfreado é a única bandeira/

Em que o povo acredita/

O Estado está em pecados/

Anda sem cabeça/

Anda sem pés/

O que pulsa é a repulsa/

É a vergonha da imoralidade/

Se tornar normal/

Ver a luz do dia/

Negociarem a nossa miséria/

Com palavras fáceis/

Negociarem a fome e o desespero/

E quando alguém grita/

Tapam-lhe a boca com sangue e areia/

Com pancadas e asneiras/

Usam as prerrogativas da eficiência/

Contra os trabalhadores/

A ineficácia das leis/

A omissão dos poderes/

O engodo dos oportunistas/

A corrupção dos políticos/

Pra deixar ao amanhã/

A sorte de um país/

Pai e mãe de tantos povos/

Morrer nas esquinas/

Nos sinais do trânsito/

Nos morros e palafitas/

Nos corredores dos hospitais/

Nas praças e ruas/

Não é de se orgulhar/

Pessoas/

Tantas pessoas que saíram a protestar/

Tantas pessoas que se acumularam a falar/

Pessoas indignadas/

Desmoralizadas, enganadas e humilhadas/

Perdem-se no dia a dia da desesperança/

Fizeram do crer o desacreditar/

Por isso há em todo canto um caos/

Que eles teimam em não escutar/

Continuam rimando refrões sem parar/

Corpos esfomeados e cansados/

Derramam-se nas lixeiras/

Enquanto na corte/

Há festa/

Comemorando tanta impunidade/

Se a liberdade raiou um dia/

No colo nu da Democracia/

Acredito piamente/

Que jaz a essência/

Que se tivesse vida a igualdade arrancaria os olhos/

Para não testemunhar/

Tanta barbaridade/

Em nome de uma ordem justa/

A alma da República já queima/

E a dor é um hino amargo/

Inusitado/

Cantado pelos ignorantes/

Achando que são filhos do rei/

Usufruindo desenfreadamente da prostituição e das drogas/

Não sei/

Porque ainda se vive/

Tão sordidamente/

Pois pensar que a marca da roupa/

Que o carro de luxo/

Que o ouro e o poder/

Que matar ou ferir você/

Fazem o riso/

Não sabem além de si mesmos/

E com certeza da consciência/

Sabem apenas da demência/

São insanos viventes/

Cujo coração/

Só aprendeu a matar pra viver/

A sua humanidade é periculosa/

Sua versão é tão fria/

Quanto um viaduto olhado de uma janela/

Se ainda há em nós o amor/

Nessa engrenagem/

Cujo mal é a única forma de discernir o sistema/

Há que não ser covarde/

Pra em dias de lua/

Tomar uma flor nas mãos/

E dizer com o coração/

Tudo o que se aprendeu na vida/

Antes que percamos as mãos/

Que percamos a lucidez/

Num silêncio qualquer/

De qualquer segundo/

Grite amor/

Pra ter certeza que você também não mudou/

Afinal evoluir/

Não pode está ligado/

Ao fazer como todos fazem/

Como eles querem/

Ninguém é livre por fazer o que quer/