SACA LA BASURA

há dias em que tudo o que se pensa e se cria

não passa de saliva, de secreção, de sangramento

toda uma obra cuspida no olho negro da pia

todo um conjunto que não cabe em testamento

o que fazer com tantas linhas escritas em vão?

se pretender queimá-las eis que me intoxico

e se, por desespero, as enterrar debaixo do chão

um totem paralítico edifico

não...

haverá nalgum lugar um aterro de pretensões

onde repousa a sucata letrada e o refugo lírico

esmagados sob a terra sulcada por caminhões

e sufocados pela fumaça de um queimar onírico

juntaria tudo num caixotinho de uvas

os versos e as rimas que perderam o viço

entregaria-o a um assistente de luvas

e abster-me-ia de acompanhar o serviço