Inútil
Eu deveria estar vivendo agora
Ao invés de escrever a vida,
Vivo no limite da precariedade,
E nos confins da miséria
Minhas mãos tecem um mundo
Que gostaria de viver
Enquanto minhas pernas
Atrofiam-se do dever
Que deixo de cumprir para ser
Na sede de minhas ilusões
O que o mundo me proíbe
Não muito raro a fome me tenta
A ser o assassino de meu ego
E atuar como um personagem odioso,
Até certas paixões me guiam
Para o caminho da esteira,
Mas a fome de meu eu mais recôndito
Se dilata com um grito de pavor
Onde sua vontade é implacável
O pão se torna um alimento
Para uma vida que não quer acontecer
E o pão é ausente na vida tecida
Pela vontade mais alta de viver
Onde as palavras só se tornam carne
Com o corpo abastecido desse mesmo pão
Assim sou nocauteado por duas fomes:
A de pão e a de vida,
Uma suplica por existir
Enquanto a outra invoca o direito de viver
E desse dilema nasce a monógama escolha
Que se casa com a necessidade
Não, definitivamente não!
Minha escolha ouve o grito
De todas as coisas que meu sangue
Quer se impregnar,
De tudo que a carne precisa
Para ser o templo onde a alma dança,
Minha escolha vê necessidade em tudo
E por isso se tornou desnecessária,
Minha escolha é lasciva
E se prostitui abrindo-se para tudo
Que se resultou inútil.