AS MADRUGADAS DE SAULO PIEDADE
saulo piedade prega os olhos não
com medo que lhes fujam as letras
senta-se ereto à mesa da cozinha
atento ao decoro e à etiqueta
num tributo ao Camus que tem à mão
dona piedade entende não
que tanto o marido faz pela madrugada
sentado ereto à mesa da cozinha
agarrado a tanta letra miúda e tanta folha mofada
que, às vezes, suspeita de traição
saulo piedade bebe água não
para não perder o rumo
fecha os olhos à mesa da cozinha
deleitando-se daquilo que é seu trago, seu fumo
e franze a testa de satisfação
dona piedade se levanta não
cansou-se de chamar o marido ao leito
que agora deu de clarear à mesa da cozinha
com o danado do alfarrábio lhe apertando o peito
e um sorriso de satisfação
saulo piedade pregou os olhos não
e bateu o cartão às sete e meia
já saudoso da mesa da cozinha
traz um pequeno Baudelaire preso à meia
desses de papel mata-borrão.