Os soldados marcham
Os soldados marcham,
sem olhos,
dentro da escuridão
Entorpecidos
Sem remorsos
Degustando ódios e estigmas
Amestrados que são para suprimir vidas
Algozes do mundo
com seus atos mesquinhos, tão pequenos
A morte a aliciar-lhes os dedos
o cheiro do sangue a açular-lhes os instintos
o gosto da dor a atiçar-lhes os dentes
a intolerância a salivar-lhes a raiva
trazendo de longe o odor dos cadáveres exangues
num triste mundo plasmado pela ignorância
e o medo
A sombra não vai com os mortos,
amalgama-se ao solo adunco e infértil
Nascerão flores de flandres sobre o solo
e a erva daninha nascerá sobre o solo
onde caíram os mortos
Um sol magenta secará o sangue derramado
e a neblina das manhãs turvará a visão
e umedecerá a crosta de sangue nas mãos
dos ignaros soldados que marcham
seguindo medos espectrais
Fantoches sem sequer saber quem são
sem sequer tencionar saber quem são,
sem se questionarem por que arrancam
das trevas o sumo da escuridão
A guerra é inexplicável
e a vida é esta monotonia besta
seguindo as vetustas sombras andejas da morte
saboreando o sádico gosto de sangue,
o insondável e irrestrito monólogo
da estupidez maniqueísta,
da intolerância atávica
Onde antes havia teogonia
hoje há somente a insegura intenção de um Deus,
de olhos cerrados
de moucos ouvidos
estupefato
ante a incapacidade
do gesto que redimiria o homem enfarado
e o homem cuja grande batalha é viver
o momento presente entregue à lenta letargia
que nos sufoca o ar
e evola-se a cada respiração,
devagar,
como se do barro vieras
como se para o barro voltarás
E entre a vida e a morte a frase dita num esgar
que os soldados que marcham sem olhos,
seguindo as boçalidades do homem só
são incapazes de ouvir
Só entendem a palavra dura,
tartamudeada,
vociferada, pela boca umbrática do vil senhor
Ei-los sós,
estão surdos e cegos
de tão fascinados que estão
pelo estalar dos ossos partidos
pelo desatino
e pelos gritos e as faces crestados de dor