transfusão & patrocínio
transfusão
se é pra ficar aqui no chão
caído
derrubado
achatado pelo rolo de pastel
achatado pelo peso do céu cinzento
à procura e sedento de todo o meu vinho
o meu vinho que você roubou
se é pra ficar aqui
nesse chão de pedra fria
se é pra danar meus pulmões
que seja gritando, sem aspas
– traga de volta meu vinho e meu pão
se é pra agradecer
pela chuva de dor que me cospes
com sua ácida saliva
ferindo a pele do que sou
ou do que eu pensava ser
até anteontem
estou no chão
e meu chão é fundo do mar morto
vem, vem chupar a última gota
vem com seu canudinho colorido
chupar até fazer barulho
as sobras do meu líquido ruim.
*
patrocínio
quem te paga pra mentir?
qual será a paga da sua mentira?
e como pode
sentir-se no direito de dizer toda a sua verdade
como se ela existisse
como se ela não fosse nuvem
como se ela não fosse espuma de cerveja
que te faz pensar que sou ficção?
quanto ganha pra ligar seu freezer?
quando vale tua mentira e tua verdade?
quem você pensa que não somos?
o que pensa que não temos?
como se atreve e chamar de improvável
a garganta seca do nosso amor?
*