Já visto
Tateia a humanidade o seu destino.
Sensíveis sempre a parte que nos toca,
Compõe-se mais um verso severino:
Das frias mãos que tecem nesta roca
O véu que cobre a vida e cobre o todo
E à nossa própria alma nos invoca,
Vêm delas esta ânsia e este lodo,
Veneno em muitos goles consumido
Que a vida faz-se ainda o nosso engodo...
E vai-se o tempo, o tempo que vivido
Pudéssemos bebíamos num gole,
Pois nas melhores partes resumido.
Iguais: antepassados depois prole,
Famintos dum viver que não sacia,
Sedentos por um mar que nos engole!
...
A quem só tem o belo por valia:
O tempo não conhece a piedade,
Tão frágil essa vossa garantia!
Rirei também da cega humanidade
Que nada vê além do próprio umbigo
E ainda tem no umbigo a sujidade!
Deixai-me rir do honesto e sábio amigo
Conhecedor profundo em dor alheia
Compadecido até pelo inimigo.
Daquele que no céu o chão semeia,
Imóvel sobre nuvens de quimeras,
Sementes esquecidas sobre a areia.
De todos que se acharem nestas terras
Porém pensarem ser superiores
Rirei de vós, um rir em meio às feras!
A vida acabará co'as vossas torres
E tudo aquilo que talvez conquiste
Sucumbirá também a tais favores...
E embora ria ao ver tudo que existe
Tal vista está grudada a minha face,
Meu rir não é senão um canto triste.