Já visto

Tateia a humanidade o seu destino.

Sensíveis sempre a parte que nos toca,

Compõe-se mais um verso severino:

Das frias mãos que tecem nesta roca

O véu que cobre a vida e cobre o todo

E à nossa própria alma nos invoca,

Vêm delas esta ânsia e este lodo,

Veneno em muitos goles consumido

Que a vida faz-se ainda o nosso engodo...

E vai-se o tempo, o tempo que vivido

Pudéssemos bebíamos num gole,

Pois nas melhores partes resumido.

Iguais: antepassados depois prole,

Famintos dum viver que não sacia,

Sedentos por um mar que nos engole!

...

A quem só tem o belo por valia:

O tempo não conhece a piedade,

Tão frágil essa vossa garantia!

Rirei também da cega humanidade

Que nada vê além do próprio umbigo

E ainda tem no umbigo a sujidade!

Deixai-me rir do honesto e sábio amigo

Conhecedor profundo em dor alheia

Compadecido até pelo inimigo.

Daquele que no céu o chão semeia,

Imóvel sobre nuvens de quimeras,

Sementes esquecidas sobre a areia.

De todos que se acharem nestas terras

Porém pensarem ser superiores

Rirei de vós, um rir em meio às feras!

A vida acabará co'as vossas torres

E tudo aquilo que talvez conquiste

Sucumbirá também a tais favores...

E embora ria ao ver tudo que existe

Tal vista está grudada a minha face,

Meu rir não é senão um canto triste.

Franciele Bach
Enviado por Franciele Bach em 25/04/2015
Código do texto: T5219686
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