Ao Zeca Afonso

Nossos baús de prata

Lançados á fúria das águas

Que a sofrida existência

Enlouquece,

Em qual jangada, sossegadamente

Repousam?

E, nossas vestes de jasmim

Emudecem

Percorrendo ávidas mãos,

Esmeraldas,

Áridas muralhadas polidas de decepadas palavras

Em sacrifícios de aves mutiladas,

Erguidas

Perante estandartes e alardes

De mentira!

Amanhece ainda o firmamento

Da Saudade

A roçar remanescentes veredictos

De sarça inspirados,

Corroendo arestas de matéria

Na raiz dos povos.

E tu que cantas

No teu canto,

Desafias-me a voz nas entranhas da esperança,

Abraçando o exausto fôlego de sempre

Num gosto de fel,

Vinho de desencanto!

Que nos importam os vendavais

Se celebramos a cumplicidade,

Quando a foz do riso e do pranto resvala

Prenhe de silêncio acoitado na carismática agonia

Das açucenas queimadas,

E a utopia

Ainda estremece o sangue da resistência

Plantado nas cálidas margens da Ribeira!

Grândola ainda floresce?!

Ergamos somente o rosto de Abril

Ao vento!

Celebremos beijos ao divino pó do chão

E perpetuamente cantemos

Imagens de paz

Nos mansos mastros da lúcida lealdade

Em febris searas

Lapidando na memória,

Tua imensidão,

Minha compulsão…

Irmão de Liberdade!

© Célia Moura , in “Jardins Do Exílio”

Célia Moura
Enviado por Célia Moura em 24/04/2015
Código do texto: T5219230
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