Foge o céu
foge o céu
num vento anônimo que arrasta nuvens
e ainda derruba folhas num final de inverno
as flores de setembro já espiam
pelas frestas entreabertas das estações
os prelúdios da primavera
a noite vem vindo lá do fim da rua
acendem-se os lampiões
fogo amarelo roubado
a ignescentes deuses
respira-se a fumaça preta
enquanto a luz bruxuleante
estende-se no vazio entre o ar e o ar
antes de morrer
impregnando as paredes com sombras
flutuantes como a leveza da folha
no ar silabado de agosto
criando imagens que se desmancham
ao vento que oscila a leveza imponderável dos
ideogramas de um haicai que se dissipa no ar
antes que o haijin possa deslindar as primeiras sílabas
cessa a sombra cediça
sem véus que a ocultem
desnuda-se ante o átimo de tempo
que separa o movimento da luz
sopra um vento pálido, timorato
desestabilizando a luz dos lampiões,
a chama oscila,
respira devagar,
estremece a noite infrangível
e sua pequena morte incruel
adormece a brisa
me perco no rumor da escuridão
com passos de tabaréu
esbarro nas imagens desfocadas pelo engano
e tropeço e caio e rolo pela borda do céu