Futuro do Pretérito

Um amigo me disse, cego!

Não vês o corte da faca

Vês menos a fronteira da razão

Respondo, amigo

O que pingo nos olhos são gotas azuis

Um colírio além da imaginação

Uma tinta de tempero surreal

Se assim fosse, cego

O toque me bastaria

Quem toca igual perfume virtual

Perde-se

E de nada valeria manter-se são

Vê-se no espelho um igual

Porque se conhece

Gotas, tintas, perfumes

Nuances que descrevem

Quem sabe a cor do seu vestido

Escrevem Transmutações de sentidos

Me perco no que acho

Das ondulações dos seus cabelos

Filósofa da razão

Quem se importa

Se me chamam cego

Importa –me mais o que pensas

No meio da noite

Suposições e crenças

Deitada nua ao meu lado e sem desejo

Isso me faz de fato cego

Mas se apenas uma centelha

Uma que seja brilhe

Entre uma gota de vinho e outra

Entre uma gota que escorre

Marota por entre as curvas do decote

Olhar que se fixa e morre

Meus olhos se abrem, me torno vivo

Mas enquanto tudo é cinza

Sopro a brasa e espero

Faço de conta que acredito

Na voz côncava do amigo

Que me chama de cego

Mas me escondo no convexo

De ser um incorrigível.