Palhaço

como vai?

como vai?

como vai?

tudo bem,

tudo bem,

bem, bem!

era uma vez

um poeta palhaço vidente

as mãos recendendo à estrelas,

os cabelos molhados de vento,

sentado sobre o mundo

(esta bola colorida a sangrar)

desafiando os moinhos de Espanha

e dragões do norte americano

cara pintada de sonhos tão leves

quanto os suspiros e risos infantis

na boca um sorriso vermelho

pintado por sobre um grito sufocado

na alma estórias viradas do avesso

estórias sem fim, sem começo

um sol escondido no bolso

no rosto uma lágrima,

uma única lágrima renitente,

pendente a um único olho dolente

borrando os versos que aos olhos tremem

por sobre os segredos gravitando

em outros segredos revelados

improvisando piadas

enquanto dizia sofismas

para a imagem no espelho

e para a solidão do ano inteiro

- Senhoras e senhores, com vocês,

no maior espetáculo da terra

como a luz das manhãs

como chuvas de janeiro

como a tímida estrelinha

cintilando lentos azuis

o inimitável,

o inigualável,

a pedra no caminho de Drummond,

o palhaço poeta vidente,

que com seus sapatos compridos

schlep, schlep, schlep

vagou por estradas à beça

bebeu rios de janeiro

correu os olhos nos livros

colheu ideias e sonhos nas entrelinhas

escreveu com dedos pressurosos

e olhos lacrimosos

tanta palavra em silêncio

que se move na doçura

o palhaço vidente poeta Giramundo

vestido em paletós de flores

recriando com seus rabiscos

em papelão vagabundo

os sonhos destroçados,

a vida chinfrim e sem sentido

de um mundo fendido pela morte

sem poemas

a debicarem o mistério

sem ninguém do outro lado