Aquele dia, aquele jogo
Aquele dia, aquele jogo
Aquele dia, aquele jogo...
O campo era sempre aquele mesmo pedaço de rua,
de uma mesma rua Maria
Sempre a mesma meninada
se achegando de todos os cantos da rua
para mais um “clássico”
nesta tarde dementada,
nas mãos a bola quase redonda
Par ou impar?
Escolhem-se os times
Vira seis, termina doze
(alguém grita)
Pedras ou latas,
postas de um lado e outro
duas a duas
à guisa das traves do gol,
vacilante e precário gol
Rola a bola,
lírica e lúdica,
Começa a pelada
A bola quase redonda
um tanto rola, um tanto pula
Nos desvãos da rua de terra
o futebol tinha as cores
das tardes ocras e friáveis
tinha a cor da lama ou do pó vermelhos do chão
conforme fosse chuva ou estio o clima da decisão
A bola rola
e quica e pula
Primeiro chute ao gol,
a bola rola quase redonda,
pula, murcha de um lado,
e escreve poesia
no chute cheio de esguelha
deixando um rastro de talvezes
na trajetória rumo ao gol
A bola bate na trave mensa
o gol não sai
a trave cai aberta e lenta
sobre a sombra de si mesma
Os pés descalços, embaraçados
no ocre pó fosforescente
da rua de terra,
aplicam o drible aliciante
lancinante
a finta desconcertante
a meia-lua tangendo o silêncio
do passar do pé sobre a bola
A ginga que desnorteia o adversário
O pé que chuta a bola canhestra
e inscreve a sombra (quase redonda da bola) no gol
E se o quique da bola,
girando quase redonda,
soneteando o gol,
abrisse do silêncio o grito quase esfera,
quase meta, quase gol?
E se o tempo, tendente a passar ligeiro,
imponderável e afoito,
acobertasse o momento infindo
de uma pelada de rua
conforme o tempo atemporal da lúdica infância?
E se a infância era assim,
e se o futebol de rua era assim,
e se a bola nem era tão redonda,
mas mesmo assim a gente se divertia,
era por que tudo que era
era molecagem e fantasia,
era por que era aquele jogo,
aquele dia,
a mais vadiada alegria