HOMENAGEM A CARLOS ALBERTO (AUTOR) E POETA CAIPIRINHA.

ODE PARA UM ZÉ PIRES QUALQUER (POEMA)

nasci lá nos barrocais

e o mê nome é zé pires

fui pastor e fui ganhão

palmilhei o alentejo

botei filhos em mulheres

e nos alcanchais perdi

noutes fugindo da lei

era eu mui novo então

mondava os campos de trigo

pruma jorna de miséria

quando o galo do ti pedro

adregava amanhecer

já me pusera à margia

qu’era longe o mê patrão

lá pró meio do caminho

encontrava a rosa amado

-uma poldra redondinha -

que se mordia aluada

e comigo chafurdou

nos lamaçais da herdade

pus-lhes os tampos numa fona

e a melra pôs-se a bradar

qu’eu a tinha desgraçado

vai daí o velho amado

-que m’engula o inferno

s’isto que digo é mentira-

agarrou na de dois canos

e antes que lhe aprouvesse

romper-me a pele com ela

botei-lhe as tripas ao sol

e rais parta a minha sorte

mais a minha sevilhana

ele esticou o pernil

prantou-se a justiça a mim

e que remédio senhores

sem arreceber a jorna

com um pão sem conduto

fez-se o zé pires maltês

ninguém chorou qu’eu cá moça

era arranjo que nã tinha

parentes nã conhecia

em riba da porca terra

a nha mãe - que me desseram -

era uma boniteza

tratava do manual

do mê pai silvestre pires

ele qu’era môral

das vacas do unha grande

pra nã pagar o trabalho

-um dia oito mil réis

e azête prá semana-

apalavrou-se com ela

depois dos pregões botados

lá se casaram os dois

veio um padre da cedade

e um coxo sacristão

foi festa rija senhores

o povo sempre a bailar

p’la noute toda adiante

um dia - p’lo s. joão -

chegaram prá acêfa

ratinhos mal-encarados

os patrões - essa canalha -

deu-lhes o faro - a tantos passos

fedia a fome desses beirões -

e vá d’abaxar o preço

com que pagavam ganhões

os homens cá da nha terra

que os têm no lugar

botaram-se a caminho

do monte do unha grande

deitaram palavra rija

que um homem

só s’agacha pra cagar

mas ele largou-lhe os cães

e a guarda qu’é bruta

pra quem nã tem massaroca

prendeu os chefes e deu-les

porrada plo dia inteiro

depois foram pra lisboa

p’ra outra polícia que quis

ca modos fossem polítecos

e os deixou lá dois anos

o mê pai estava com eles

quando voltou p’rá vila

disse-lhe o bento - ó silvestre

um dos ratinhos - daqueles -

armou-te em chavelhudo

foi o mê pai encontrado

na nora velha do pico

é por isso que o zé pires

já nã tem ninguém no mundo

depois d’andar a monte-

prás bandas de montemor -

seis meses e cinco dias

prantei-me a dormir ao sol

debaxo dumas sobrêras

duas pegas estrangeradas

qu’eu enxerguei pela fala

sentaram-se ao pé do zé

eu cá nã nas percebia

dezia a tudo que sim

deram-me galinha e cigarros

e mais outras porcarias

a fome era tão grande

qu’eu tudo botava abaxo

calculem que depois

elas inté me despiram

eram duas e só eu

arrimei-lhe a conta delas

“ nã há nada mais prefêto

do cum homem satesfêto”

foram tempos assentei

os anos iam passando

o corpo já nã queria

passar a noute ó relento

botei o alforge no chão

perguntei ao lagariço

se precisavam dum moço

p’rá altura da debulha

empreguê-me na herdade

arranjei mulher e filhos

e nas noutes de inverno

sentado junto ao madêro

já sonhava ver os netos

em riba dos mês joelhos

mas nesta vida senhores

nã se pode sossegar

mandei prá escola o miúdo

e ele já nã quer parar

se vou dezer ao patrão

co denhero nã m’achega

ele é capaz de largar

os guardas e cães a mim

e lá começa de novo

o gaiato a maltezar

eu em lisboa a penar

a moenga na tem fim.

kirapintor
Enviado por kirapintor em 08/06/2007
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