Outono
Outono...
O vento deambula na folhagem
esbatida sob um inconsútil sol de abril
No silêncio que perpassa a fulva manhã
os dentes-de-leão, levados pela aragem,
emprestam ao ar uma leveza tátil e friável
As folhas secas se debruçam sobre
os níveos véus do nevoeiro que esconde a manhã,
e caem
Doem os versos que a manhã decanta
nos jardins onde pululam os pardais,
nos quintais onde o vento cantarola
tocantes cantigas de infância
Correm descalças as lembranças
pela praia melancólica da tua ausência,
dos teus mares,
agora exaustos,
das nossas ilhas,
agora tão doridas
A agonia das espumas
ressumando rendas nas ondas,
querendo ser elegia
no prelúdio do verso
que não se mostra por inteiro
A dúvida
que me divide ao meio,
faz-se obstinado medo
A poesia
que arrulha na ponta da língua
não acontece
A palavra se esconde
entre os outonos brancos da página,
as veredas inacessíveis da melodia
e dos ideogramas de um haicai
Um vento absorto e distraído
se equilibra sobre a página
[ainda em branco
A manhã timorata
flutua sobre sofismas
No fim das premissas
há algo vago
como a saudade esquecida
nas folhas de um malmequer
como a ternura que abre a manhã
como uma noite
sem céu
ou algo assim,
enigmático e intrigante,
como você