choro de um povo
chorei pela Franciane,
pela Clara,
pela Daiane;
chorei pelas mãos sujas de terra,
pelas unhas quebradas,
pelo sangue na calçada,
chorei pela carne esgarçada,
pelos pedidos de perdão
nas horas não finalizadas,
chorei pelo tempo rompido,
pelo silêncio forçado,
pelo silêncio contido,
pelo silêncio gritado.
chorei pelos corpos delas
irremediavelmente
abraçados pela terra
que também chora
de dentro pra fora
quando a chuva vem
com poças que se formam
quando a chuva vem.
chorei pela Franciane,
pela Clara,
pela Daiane,
pela pele riscada,
pelo nome apagado,
pelos dentes quebrados.
chorei por todos os abraços
que foram passos largos
em direção ao cadafalso.
gritam-nos loucas,
gritam-nos exageradas,
exaustas, vastas, incautas,
mas acima de tudo
gritam-nos tresloucadas,
desqualificadas,
exageradas, exageradas,
exageradas.
gritam-nos loucas e
não ouvem os nossos
gemidos de dor ou nossos
urros de temor que
nos deixam roucas,
mas gritam-nos loucas, exageradas
e não estendem a mão,
nem ouvem a súplica
nas esquinas, nos cigarros,
nas marcas dos estalos.
chorei pela Franciane,
pela Clara,
pela Daiane,
chorei por mim,
pelas meninas,
chorei pela boca tapada,
pela sensação amarga e
pelas mil vidas afogadas
na indiferença parca
das gentes.