A presença ou a ausência do amor

o que me intriga não é a presença ou a ausência do amor

o que me intriga é o que esta presença ou ausência fazem de mim

abre as portas dos séculos para a névoa que encobre mais que um olhar hesitante?

faz ausência, ânsia, lembrança, cada dia mais distantes?

coloca borboletas no céu, enchendo o silêncio de ruflar de asas?

ata-me aos atavios da vida falaciosa e fútil?

prende-me ao sonho dos homens cegos de si?

torna-me cativo da ilusão?

carrega-me de mim?

estou longe de casa

correndo campos de frívolas promessas,

quimeras e devaneios,

falaciosas sensações

mas, daqui vislumbro as portas e janelas abertas

da casa que me espera,

com seu telhado encantado de telhas de barro vermelho

com os segredos escondidos no quintal

e um jardim aberto onde nascem os ventos

e brotam todas as flores cujas cores sequestram o olhar

mesmo quando não a vejo no escuro das farsas,

ela está lá

é a minha casa

e eu estou tão longe

perdido em enganos

um dia a habitarei

e ouvirei a chuva no telhado de telhas de barro vermelho

e cuidarei do jardim

e juntarei aos segredos do quintal

os segredos que há em mim

meus passos caminham bêbados e trôpegos

acorrentados ao passado,

sem entender o presente,

morrendo impressentidos

ante o futuro construído a cada ação,

a cada gesto, desejo, medo

meus pensamentos ondulam como a folhagem ao vento

quando as manhãs surgem das lembranças

olho para as águas do lago onde o céu descansa o azul

as sombras das nuvens apagam o céu no lago

assim como as paixões apagam o amor no coração

a lascívia,

a sensualidade, a libidinagem,

não são o amor

são jogos de posse e poder

cinzas recentes levadas por um vento quente

as lágrimas choram as iniludíveis fantasias e taras,

agonizam num gozo narcotizado

o instante cresce dentro do escuro e me alcança

sombra espessa

rostos e corpos de ninguém

no fundo do quarto,

sobre as minhas escolhas,

uma rosa negra deita sua sombra no chão

onde antes um fiapo de luz levitava partículas no ar

como uma alma sustentando o corpo no tempo/espaço

intriga-me a ausência do amor...

não do amor com gosto e efeito de droga

mas, do amor transformador

o amor que cante cantigas

o amor que me deita na grama

e sussurra carinhos nas sombras lilases do vento

o amor indelevelmente ternura

o amor feito origami

em delicadas e precisas dobraduras

o amor cuja a beleza está em não ser nada além de amor

o amor sem fúria animal

sem a vassalagem feudal

o amor que não se compra, não se vende e não se troca

o amor não negaceado

o amor que não se define

e que não se definha

o amor incondicional