Instante de mim

Assim como quem marcou um encontro,

antes de compreender o tempo

às tantas horas dos tantos dias você estava lá

na praia do Moçambique

na tarde antiquíssima e insonte

de horas ausentes

de areias tardias e trêmulas

como se não houvesse tanta saudade no tempo

e o acaso fosse o momento onde o sonho

andasse pelos caminhos da alma

e falasse a voz da eternidade

como se houvesse só a canção ouvida na chuva

a nostalgia somente

de uma tarde na qual nos esperávamos há tantos anos

nossas palavras e gestos tão

quietos

nossos olhos que adormecem nas tardes como os

girassóis

nossos lábios que dizem sílabas e sons

solitários

segredos escondidos nas fogueiras acesas

iluminando e aquecendo a nossa noite

nossas mãos singelamente entrelaçadas sobre

o nada

nossos passos a caminhar pelo mesmo momento

Me diz!

Me diz!

em quantas outras existências impermanentes já nos

encontramos?

e por quanto tempo vivemos a solidão inacessível da primeira

estrela?

os dias e os anos caindo segundo a segundo sobre as nossas pálpebras

cerradas

sobre a nossa espera

você chegou, instante de mim

esqueço pensamentos e medos

te abraço, e sinto o teu corpo deslindando o que sou

onde o silêncio guardará as palavras que te digo?

com qual memória?

onde o tempo guardou o primeiro dia?

onde esta ternura interminável vai guardar

a saudade imensa de cada dia?

onde o céu guardou a nossa chuva e as nossas sombras molhadas?

aguardemos, amor, que as flores perfumem a aragem

dissolvida na noite infinda

e os véus do passado sejam a doçura das frutas que os pássaros trarão

aguardemos o vento passar trazendo o rio ou o mar

e segredos que apanhou por aí

amor,

sinto saudades e sou só lembranças

dos tempos que ainda virão