Viajar

tantos caminhos possíveis para se chegar ao mar

e, de repente, não se chega

o mar foi engolido pela tocaia da noite

evaporou-se na luz infrangível do sol

tantos destinos escondidos nos postais

de antigamente

e nas saudades que me esperam

em ingênuas miragens

de ingênuos mundos, que esquecidos,

orbitam eternos dentro de mim

portos aflitos

ardem no tremor da despedida dos cais

cidades ocultas

pela neblina que sublima e se funde ao céu

terras onduladas acabando no mar

o tempo tão escasso

o tempo desconhece o sonho

e a alma infantil e insonte

ir traz a ansiedade da espera

de se chegar ao destino que se escolheu

voltar traz a sensação

de que se deixou os sentidos

em rios

tão longes

em ilhas

e suas palavras noturnas

numa lua

roubada ao céu do meio dia

nas nuvens catitas

içadas ao mastro da noite derradeira

no cansaço de um hotel

ou em alguma varanda

onde a chuva criou cenas translúcidas

e o viajante, olhando em volta, pergunte:

onde a resposta pra tudo isto?

o vento flutua e rodopia

farfalhando como papel

a distância não me devolve

como quando parti

quem volta é outro

e a tristeza de haver morrido

dias e noites

tentando sustentar

o que o engano insuspeito disse que eu sou

põem-se inextinguível em meus olhos

que retornam sem nunca terem saído do passado

intocado e incognoscível

retornar e trazer as sombras

e os espaços por onde mistérios

e pássaros cegos de longuíssimas asas

espreitam um tempo de ser infeliz

e as águas do lago já não refletem o céu azul