[Neusinha]
[Memórias do chalé amarelo – Araguari-MG]
Ainda na penumbra da manhã
eu corria em disparada pela sala
batendo os meus tamanquinhos de madeira
nas taboas do assoalho do chalé amarelo.
Destramelava a porta da cozinha,
e do degrau mais alto da porta,
eu saltava para o terreiro de chão batido —;
a privada de buraco, quase no fundo do quintal,
mal estava ao alcance da minha pressa!
Depois, na divisa do fundo do quintal
num canto do velho muro de taipa,
ela já estava à minha espera.
e ficávamos assim, embevecidos,
debruçados no quebrado do muro:
eu do lado de cá, sem calças,
só com o paletó de flanela,
e ela do lado de lá, linda, linda
de camisolinha comprida e cabelos
encaracolados, ainda sem pentear.
De mãos dadas,
nos enternecíamos languidamente,
perdidos nos olhos um do outro...
Nesse tempo, o mundo era todo nosso,
a felicidade não tinha limites.
e ficávamos assim, emudecidos de carinho
até que, de longe, vinha o grito:
— Neusinhaaa!
E logo, outro grito:
— Carlinhooo!
Nossas mães se cumprimentavam
e nos buscavam para o café:
— Esses dois...
E enquanto éramos levados pelas mãos carinhosas,
os nossos olhares selavam a promessa do dia seguinte!
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[Penas do Desterro, 14 de janeiro de 1998]
Do meu livrinho “Arribadas, O Passo da Volta”,
ilustrado por Paula Baggio
Projeto “Memórias do Chalé Amarelo”.