Vamos plantar a vida
Às margens do rio vamos plantar a vida
Sem descanso
Sem cessar
A terra vermelha
O perfume descuidado da terra
O silêncio
Escondem as sementes dentro do avesso
O vento repousa folhas secas e música sobre as covas
Vamos rega-la com o orvalho das manhãs de primavera
O quase nada de um gesto
Vamos lhe dar nomes inúteis
Com sólidas letras indistintas
Pesadas
As aves virão desenterrar as sementes
Pousarão nas árvores de pedra
À espreita dos séculos imóveis
Exaustos
Vencido o medo e a vertigem
O tremor ouvido no ruflar das penas
Os bicos supondo os grãos mansamente
Tecendo vida dentro do útero da terra
O gosto adocicado da terra
Infringem a água, o sol e o tempo
Desenterram as sementes e gritam apressadas
Para um céu que passa no barco do acaso
A caminho da noite onde a lua levita
Sobre o que terá sobrado da lavoura
E sobre as margens afogadas do rio
Entranhada na poeira que é noite e escuridão
Mastigada e áspera como o aluvião que desaba
E se desfaz no tempo que tece a inelutável viagem
Entre as mãos que plantam e cultivam a vida
Há a mão que nos trará ao mundo
Há a mão que nos dará carinho
E há a mão que dirá adeus e,
dolentemente,
depositará a flor com dedos quietos,
esquecidos de serem tristes