A hora mais escura
"A hora mais escura"
(Título do filme de Kathryn Bigelow)
cada manhã traz espaços
e vestígios e delírios
incertezas e, pelo menos,
um poema, em silêncio
no meio do ontem escuro
aonde se espoja o poeta
antes de endoidar
ludicamente
e escrever comedido
"que o amor não sabe
do alarido detrás da sombra
quando move-se pelos poros"
na hora mais escura
só o grito estridente
sabe e se espalha
e explica
a precisão e o motim
e a lenta loucura
de se escrever poemas
que vão regressar mendigos
negros, toscos, culpados
rejeitados, assustados
em vários tons de carvão
voltam com tímidas palavras
de carta lida na ventania
que faz agitar-se as cortinas
das noites entranhadas em nós mesmos
no espelho distorcido a enganar
o mundo que se esbate
entorpecido de sonhos
passeando no passado
das perguntas e seus limos
que pululam dos silêncios
e temores ofegantes
e se afastam sem nome
e fogem da consciência
e alimentam-se
da minha alma rasgada
esquecida e demente
da minha lágrima fendida
pensando que é emoção
e constrói, e destrói, e reconstrói
desolada e impotente
estes fantasmas
que perambulam em mim
como manchas num retrato
velho e amarelecido
trazendo o que não curou
o que foge das masmorras
trazendo o silêncio cego e oco
e o ranger da noite se abrindo
na hora mais escura